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Channel: Notas da Liga Humanista Secular do Brasil

A quem você pertence?

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A quem pertence uma pessoa? Quem pode dizer que é “dono” de si? Pode uma pessoa estabelecer relação de propriedade sobre outra? Você pertence a si mesmo?

Estas podem parecer perguntas de reposta intuitiva: “ora, cada um de nós pertence a si mesmo”, temos a tendência natural de responder. E, de fato, tão natural é esta tendência que este pressuposto – “uma pessoa pertence a si mesma” – é a base de importantes sistemas filosóficos, que enxergam em tal proposição terreno sólido o bastante para alicerçar o desenvolvimento de suas argumentações.

Mas quantas vezes paramos para analisar a validade ou os princípios por trás de uma proposição que parece tão elementar? Deveria ser assim – de um ponto de vista ético, “deveríamos” ter a propriedade de nós mesmos? Muitas vezes, na história da humanidade – na maior parte da história da cultura humana, para falar a verdade - indivíduos alegaram ser titulares de uma relação de propriedade sobre outros indivíduos. E, segundo argumentavam, “era melhor que assim fosse”. Por isso, não se trata de uma simples questão de aceitar a obviedade da questão - pois ela não é óbvia –, devemos investigar um pouco mais a fundo o problema: Você pertence, ou deveria pertencer em decorrência de um imperativo ético, a si mesmo? Como veremos, mais importante do que responder satisfatoriamente esta questão, a própria investigação dos princípios por trás deste assunto nos traz a percepção de uma série de consequências, que nos forçam a repensar decisões às quais já estamos acostumados e reavaliar nossas relações com os demais indivíduos.


Quem é uma pessoa?


Em primeiro lugar, vamos delimitar corretamente os termos a ser utilizados, para não incorrer no erro de argumentar sobre pressupostos e conceitos vagos. Se estamos investigando se uma pessoa deve ser proprietária de si mesma (ou seja, delimitando o problema a uma categoria específica de afetados – as “pessoas”) é natural que nosso primeiro obstáculo seja definir o universo dos afetados por esta categorização, e porque este critério de categoria, e não outro qualquer, é o relevante. Quem é, afinal, “uma pessoa”?

A linguagem comum costuma associar o termo “pessoa”, a “um hominídeo da espécie humana”. A denominação da espécie, família ou ordem, no entanto, embora possa ter utilidade para fins taxonômicos, para fins de apreciação ética é completamente irrelevante. Uma “pessoa”, e o fato de “ser pessoa”, devem ser definidos por critérios objetivos: se o hominídeo humano é “uma pessoa”, ele é em razão de algo mais forte que um mero rótulo dado a uma espécie animal específica em função de uma particular condição genética.

Um critério frequentemente invocado para dizer que um hominídeo da espécie humana é uma pessoa é o de que a própria definição de "pessoa" gira em torno da semelhança que temos uns com os outros. Estendemos o mesmo status status de pessoa– a todos os nossos semelhantes, de modo que reforçamos, pela mútua proteção, um tratamento que julgamos desejável a nós mesmos. Embora tal prática seja realmente útil, é um critério bastante fraco: afinal, quem é nosso semelhante? E por que justamente “nosso” semelhante? Parece um tanto conveniente. O argumento não possui uma base universal, mas depende que o avaliador seja um hominídeo humano, apenas uma das cerca de 9 milhões de espécies de seres vivos do nosso planeta. Logo, é um argumento de posição privilegiada, não um argumento ético baseado em princípios gerais: embora sirva aos propósitos de assegurar certo status ao conjunto dos animais humanos, não possui valor universal. Uma demonstração da fragilidade de tais tipos de posicionamento baseado na conveniência para o proponente é o fato de que em um passado  bastante recente, por exemplo, os próprios humanos eram classificados em “humanos-pessoa” (quando a fronteira da classificação orbitava os humanos europeus, a quem era conveniente a mútua proteção proporcionada pelo status) e “humanos não-pessoa”. Ainda hoje o problema da definição por semelhança à posição privilegiada persiste e exclui, ainda, os próprios humanos: no Oriente Médio, gays,embora sejam animais humanos, não são considerados “pessoas reais”, por não compartilharem de certa característica arbitrariamente escolhida que os tornaria “semelhantes” aos demais. Um recente e polêmico estudo médico, também se firmando sobre um critério de semelhança com a posição privilegiada, argumentou que bebês humanos recém-nascidos, embora certamente humanos, são diferentes dos demais humanos a ponto de não serem considerados “pessoas reais”, mas pessoas “em potencial”, logo, não teriam direito moral à vida.

Abandonando argumentos de posição privilegiada, racistas ou especistas, e correndo o risco de beirar a tautologia, parece razoável afirmar que “uma pessoa” é “um ser dotado de personalidade”, de modo independente de outras categorizações. Isso não é mero jogo de palavras: “personalidade”, em uma primeira análise, é algo que “se possui”, em vez de algo que “se é” – logo, um objeto, o que implica em ser algo identificável, observável e, por consequência, delimitável, ao invés de um status subjetiva e arbitrariamente atribuído – o que torna a tarefa de responder a questão inicial substancialmente mais simples. E, se é algo que “se possui”, transmite ao seu possuidor o statusde “pessoa”, independente de quem o possua.

Mas qual objeto é esse, “personalidade”? - afastando-se, novamente, do sentido que o senso e a linguagem comum dão a esse termo (onde significa o “padrão de comportamento típico” de alguém), e servindo-se de uma noção da psicologia – podemos dizer que a “personalidade” é a “organização interna e dinâmica dos sistemas psicofísicos que criam os padrões de comportar-se, de pensar e de sentir”, ou seja, é uma forma de organização do ente que o habilita a perceber-se como porção delimitada do universo, estabelecer a distinção entre “o eu” e “o mundo exterior” e conduzir seu comportamento e relações do seu eu interno com o mundo exterior de acordo com esta individualização. É um conceito que muito se aproxima da ideia de individualidade – perceber-se e comportar-se enquanto indivíduo – e de consciência – ter consciência própria, de si mesmo e de uma separação clara entre si e o mundo exterior.

Assim, quando nos referimos aqui a “pessoa”, o fazemos no sentido de “um indivíduo consciente” ou, ainda melhor, no sentido de “uma consciência individual”. Vamos, então, resumir a definição de pessoa como à “vontade consciente individual”, ou, como só o indivíduo pode ser consciente, simplesmente como “vontade consciente”. Isso amplia nosso conceito de “pessoa” para muito além do universo amostral dos hominídeos humanos, uma vez que a larga maioria dos animais, independente da ordem, compartilha destes mesmos atributos. Inclusive – e isso é profundamente interessante -, também alarga o conceito para muito além do que consideramos “seres vivos”, já que o critério “vida” (outro conceito extremamente escorregadio) também passa a ser irrelevante. Se uma hipotética máquina “não-viva” for suficientemente complexa a ponto de apresentar tais características, consequentemente deve ser considerada como uma pessoa. Talvez este problema específico atinja uma relevância maior no futuro, e, hoje, seja rapidamente classificado como "irrelevante para efeitos práticos": mesmo assim, um conjunto universal de princípios deve englobar situações presentes e futuras, mesmo que sejam imaginárias, e deve ser coerente e manter a integridade mesmo em tais demonstrações hipotéticas.


Uma pessoa pode pertencer a alguém?



Uma vez que tenhamos um conceito delimitado de pessoa, podemos avançar e nos dedicar à próxima questão: é possível que uma pessoa pertença a outra? Para responder esta pergunta, precisamos lançar luz sobre dois aspectos: o que define o pertencer (a relação de propriedade) e, após, o que define quais entes podem ser ligados entre si por relações de propriedade.

“Propriedade” é um conjunto de direitos (“bundle of rights”) que uma pessoa tem em relação a um objeto. É um conjunto de direitos complexo, divididos em dois subcampos: um conjunto de direitos “positivos” (que permitem ao titular definir, de acordo com a própria vontade, o uso que é dado a tal objeto) e,talvez o mais importante, um conjunto de direitos “negativos” (que permitem negar a outros, que não o titular, o direito de fazer o mesmo). É uma relação abstrata (ela não se baseia em um fato físico da natureza), constituída de modo independente do fenômeno da posse (o qual se refere ao ato e ao poder concreto, físico, de impor sua vontade sobre o uso de um objeto). Uma pessoa pode ter a propriedade de algo sem, de fato, possuí-lo, e vice-versa: um sequestrador ou um escravista podem, por exemplo, ter a posse de uma pessoa (impor uso de fato sobre seu corpo), mas isso não implica que ele possa sobre ela invocar relação válida de propriedade (a pessoa não passa a “ser dele”), ou então alguém pode ter propriedade sobre algo (no caso do sequestrado, que mesmo cativo ainda tem propriedade sobre si mesmo) sem ter a efetiva posse.

Duas grandes correntes jurídico-filosóficas invocam explicações diferentes sobre a relação de propriedade. Uma delas, a positivista, explica que "direitos" constituem-se unicamente como relações criadas, definidas e sustentadas por lei: logo, a propriedade é o que uma determinada cultura, por meio de leis emanadas de uma autoridade, impõe e aceita como relação válida. Assim, se a lei permite que uma pessoa tenha propriedade sobre outra, se assim foi socialmente decidido e legislado, de forma válida e legítima por seja qual for o sistema político e jurídico daquele grupo de pessoas, está constituída tal relação, a qual deve ser observada pelos demais componentes da sociedade por dever de obediência às normas emanadas da coletividade. O positivismo jurídico ganhou força com o movimento de expansão do poder estatal que caracterizou a era napoleônica, e reinou soberano até as grandes guerras mundiais.

Uma segunda corrente é o jusnaturalismo, que perdeu força durante a ascensão do positivismo (quando então sustentava uma bastante frágil posição derivada de ideias religiosas, bastante criticadas já no século XVII), e que, após uma revisão crítica dos princípios positivistas à luz das tragédias das grandes guerras, em especial ao pressuposto que a lei legitima plenamente a si mesma, voltou a ocupar a atenção dos filósofos do Direito. Esta posição invoca uma base principiológica subjacente para as questões legais: para cada questão, há, em tese, um posicionamento legal ideal, que se aproxima do ideal abstrato de justiça (derivado da razão, da ética, ou, como antes pregava, da própria vontade dos deuses - de qualquer forma, cogniscível) e a lei deve refletir tal ideal, tal conjunto de princípios, sob pena de ser uma lei injusta (o positivismo jurídico não considera a ideia de “lei injusta”, pois a lei, posta pela autoridade, é o próprio critério de justiça). Logo, para o jusnaturalista, a propriedade deve ser “o que é justo que seja a propriedade”, independente do disposto em leis.

A questão jus-filosófica é certamente bem mais complexa que o resumido acima, mas, como estamos tratando de ética – ou seja, do dever-ser, o ato de escolher determinada ação em detrimento de outra porque apresenta conteúdos valorativos diferente, mais elevado - evidentemente devemos optar por uma abordagem mais voltada à concepção jusnaturalista de propriedade. O que é, então, “justo que seja da propriedade”?


A propriedade de si mesmo é eticamente justificável?



Como vimos, ao atribuir propriedade de algo a si mesma, na verdade uma pessoa passa a atribuir a si (ou seja, à própria vontade consciente) o status de titular de um conjunto de direitos sobre aquilo que definiu como propriedade. Mas fazê-lo sobre si mesmo é justificável de acordo com um princípio ético? Tornaria tal pretensão preferencial em relação, por exemplo, à pretensão de outro, lançada sobre também sobre ele?


Vamos buscar uma raiz consequencialista para a resolução deste problema. Assumindo que uma situação que traga um maior arranjo de utilidade, simultaneamente, a todos os envolvidos, é universalmente preferível em relação a um arranjo que traga menos utilidade (logo, é objetivamente melhor, independente da posição do avaliador), temos que a busca de tal arranjo (arranjo ótimo) é um princípio de dever. Se admitirmos, então, que o princípio da autopropriedade (ou seja, de que uma pessoa pertence, por relação de propriedade, a ela mesma) proporciona tal arranjo, concluímos que observá-lo, independente da prescrição legal acerca do tema da propriedade, é um dever ético.

Vamos também partir do fato, observável, de que as pessoas, dotadas de vontades individuais diversas, concorrentes e por vezes opostas, diferem acerca do que é o melhor uso de cada uma de si mesmas, e que, por diferenças de gostos e preferências, possuem percepções diferentes de utilidade acerca das mesmas situações. Imaginemos, a partir daí, três situações: uma onde as pessoas exercem direitos de propriedade exclusivos sobre si mesmas, uma situação onde um elemento externo – outra pessoa, ou a própria coletividade – possui as pessoas, e outra situação que simplesmente não admite a fixação de direitos de propriedade, nem favorecendo elas mesmas nem outros, sobre os indivíduos.

Na primeira situação – pessoas são “donas” de si mesmas– um indivíduo faz uso de si livremente, de acordo com os próprios critérios de percepção de utilidade. Adicionalmente, o fato de que a propriedade exclui outros de definirem qual será o uso de sua própria vida impede que ele perceba utilidade negativa por ser forçado a fazer o que não deseja. Não há, em tese, geração de utilidade negativa quanto ao fato isolado da fixação de autopropriedade, pois, desfrutando do status de autoproprietário, alguém protege-se de uso próprio contrário à sua vontade (o que não impede, claro, que as pessoas se frustrem com o uso que os demais fazem da própria autopropriedade – mas ali elas são plenamente ilegítimas para reclamar direitos).

A segunda situação – outros, inclusive a coletividade, podem estabelecer propriedade sobre as pessoas– implica que a aquisição de propriedade sobre alguém é possível, mas não é garantido que uma própria pessoa seja dela mesma: isso até pode ocorrer, mas não é automático. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que, em uma primeira aproximação teórica, não parece ser uma situação obrigatoriamente ruim: certamente o arranjo mais eficiente, definido racional e metodicamente por esta entidade capaz de possuir os outros de acordo com a sua vontade, pode alocar cada pessoa no local onde mais traz benefício ao grande grupo de pessoas, o que inclui a si mesma - o que seria, de um ponto de vista consequencialista, "ético". Mas será assim?

Esta proposição ignora alguns fatos. O primeiro é que as pessoas possuem percepções variadas de utilidade, por vezes concorrentes e opostas. Qual o critério utilizado para alocar quem em qual uso? O proprietário tende a definir o uso do que possui com base nos próprios critérios. Uma religião, por exemplo, que estabeleça que todos os indivíduos são propriedades de um deus, leva apenas a consideração a vontade de tal deus (mais frequentemente, a vontade de seus autoproclamados representantes), sem levar em consideração os desejos, gostos, preferências e aspirações das próprias pessoas. Uma raça ou espécie que estabeleça ser proprietária de outra certamente tende a levar seus gostos e preferências mais em consideração que os da raça ou espécie possuída.

É em teoria possível, no entanto, que este arranjo maximize os interesses de ambas as raças, ou seja, atinja um ponto de equilíbrio máximo onde é impossível aumentar a percepção de utilidade de qualquer dos envolvidos sem diminuir a percepção de pelo menos um dos demais (em outras palavras, atingir a Eficiência de Pareto, nome dado a tal situação em homenagem ao engenheiro e economista italiano Vilfredo Pareto, que a teorizou)? Certamente, embora extremante improvável, já que dependeria de uma capacidade infinita de pesar, levar em consideração e concliliar interesses adversos, conflitantes, perpetuamente em mudança e teoricamente em número infinito. Mas é curioso observar que tal ponto, se de fato existe, por respeitar a percepção de utilidade negativa dos envolvidos, é o EXATO ponto em que, no livre exercício da autopropriedade, os diferentes envolvidos potencialmente chegariam ao explorar progressivamente "zonas de não-autopropriedade" e maximizar as possibilidades de benefício não-invasivo, ou seja, o uso de si mesmo que não invade, contra a vontade alheia, as esferas de autopropriedade das demais pessoas – com o benefício adicional de que, neste segundo caso, o risco de ser forçado a perceber utilidade negativa por uso compulsório e indesejado de si mesmo não existe.

Isso nos leva a um terceiro problema: embora seja possível que a propriedade de outros proporcione também aos objetos de propriedade níveis adequados de satisfação, não há obrigação alguma do titular da propriedade observar isso. Ele não está limitado pelo desejo de satisfação das vontades das quais é dono, pois, se estivesse limitado, significa que não possui de fato propriedade: elas resguardam pelo menos alguma fração dos direitos negativos que a autopropriedade lhes confere, que é o de afastar de si usos indesejados. A vontade consciente proprietária é, em princípio, soberana sobre sua propriedade; ou isso, ou não é proprietária, mas possuidora.

Um quarto problema é um paradoxo. Se a coletividade pode estabelecer propriedade sobre outra pessoa, com a justificativa de que o faz em nome de um bem maior, segue-se que este bem não deve ser setorial, de acordo com o proposto acima (pois, se for minimamente setorial, e não global, exclui pelo menos uma parcela da fruição dos benefícios). Ou seja, deve haver uma tendência à unidade: não só você pertenceria à sua própria comunidade, mas à nação, pois as diferentes comunidades de uma nação podem ter interesses médios diversos. Logo, não só a nação, mas à humanidade como um todo; logo, não só à humanidade, como ao planeta, e assim sucessivamente. Isso acaba no ponto onde alguém pertence a tudo, e tudo, em uma pequena parte, pertence a esta pessoa, com uma notável exceção: a própria pessoa é a única sobre quem não pode invocar propriedade, pois não pertence de modo algum a si mesma. É uma inversão completa do princípio original, e uma formulação bastante estranha.

O terceiro caso – onde simplesmente não há direitos de propriedade sobre indivíduos, o que inclui a autopropriedade– traz uma situação onde não há base principiológica para impor sua vontade sobre os outros, mas também impede que você ou qualquer um afaste, invocando direitos negativos (o direito de “não” ser usado por outros), uso indesejado dos outros sobre você mesmo, já que esta faculdade é uma expressão direta da autopropriedade. Observaríamos que nada, então, impediria o relacionamento pelo meio da mera relação de posse, se a força para fazê-lo assim o bastasse.

Por isso, podemos perceber que há, sim, justificativa ética em atribuir propriedade de uma pessoa a si mesma e aceitar o princípio da autopropriedade, o que equivale dizer: uma pessoa deve ser a única capaz de definir o uso que fará da sua própria vida, e, mais importante, deve ser respeitada a vontade de uma pessoa, como imperativo ético, de negar-se a permitir o uso de si mesmo contrário à sua vontade.


Implicações Imediatas


Aceitar como ético o princípio da autopropriedade é aceitar que é melhorque cada um tenha o poder de determinar o próprio destino, e implica em uma série de conclusões que, sob pena de viver em contradição, devemos incorporar em nosso comportamento e relacionamentos com o mundo.



Você pertence a si mesmo, não a qualquer outra pessoa ou à coletividade. Ninguém a não ser você deve estabelecer o uso que você faz de si mesmo, mesmo que essa pessoa seja alguém fisicamente mais forte, ou que seja do sexo ou etnia tradicionalmente tido como dominante; nem que seja um grupo  representante de uma maioria ou um consenso, ou que alegue falar em nome de uma corrente filosófica ou religiosa majoritária ou oficial, ou o que quer que seja. Você é absolutamente seu. Isso inclui o uso do seu corpo e o uso da sua mente, seus atos, hábitos, ideias, preferências e consciência. Tudo isto é parte intrínseca de você, logo, única e exclusivamente seu. Do mesmo modo, mesmo que seja mais forte, ou mais inteligente, ou de um sexo ou etnia que a sociedade aceita como tradicionalmente dominante, mesmo que represente uma maioria ou um consenso, você não pode impor aos outros usos de suas vidas que estejam em desacordo com as suas vontades. Viver de modo coerente com isso é viver respeitando a vida, as preferências e opções dos demais, e viver de modo a, a cada atitude, preferir aquela que não impõe sofrimento aos outros.

Você não pode decidir pelo sacrifício de uma minoria em nome de um bem maior. Muitas vezes, os proponentes de uma ética consequencialista são criticados por "permitirem sacrifícios" em nome de um arranjo que traga maior valor agregado de utilidade. Embora esta crítica possa se aplicar a a alguns autores clássicos e formas primitivas de pensamento consequencialista, isto não é verdade no consequencialismo como um todo. O consequencialista define com base em sua filosofia de maximização de utilidade as melhores ações e opções éticas, mas o faz dentro de uma esfera de decisão protegida pela autopropriedade e limitada pela autopropriedade dos demais. Decidir o uso da vida dos outros é usurpar a vida alheia. E, ao usurpar a vida alheia, uma pessoa ajuda a destituir o próprio princípio da autopropriedade, reforçando, em seu lugar, a ideia de relacionamento pela força. Mesmo legislar sobre as opções que alguém deve ter - opções de comportamento, de gostos, de vida sexual - é uma forma de usurpar a vida dos outros.

Um pessoa, seja um animal humano ou animal não-humano, em tese, é a única titular de direitos morais de propriedade sobre si mesmo. Esta é uma consequência intuitiva dos princípios acima, mas é necessário um adendo, que justifica o “em tese”: estamos pressupondo com isso que todos os animais são dotados de vontade consciente, o que talvez não seja o caso. Algum animal bastante primitivo, ou desenvolvido de modo planejado para tanto, pode não apresentar traços de consciência. Da mesma forma, células animais, humanas ou não, em estágio inicial de desenvolvimento também estão excluídas da autopropriedade, por não apresentarem seu atributo justificador, a vontade consciente. À medida em que estas se desenvolvem, destacam-se, com o aparecimento de vontade própria, da esfera de autopropriedade do ser que o gerou para desenvolver sua própria esfera de autopropriedade.

Algo que não seja uma pessoa não pode ter propriedade sobre si mesma, uma vez que não possui vontade consciente, mas uma pessoa deve possuir autopropriedade. Como não há vontade consciente em um ser não-consciente, não há interesse positivo de fazer uso de sua própria vida de determinado modo, nem interesse de impedir que outros façam uso dele mesmo. Um ser vivo que não possua consciência não possui, logo, autopropriedade, mesmo que seja geneticamente um hominídeo humano. Isso não implica que seja automaticamente propriedade de outra pessoa.

Não só um animal, mas um artefato pode, eventualmente, ser proprietário de si mesmo. Assim que uma máquina passa a perceber-se como uma vontade consciente, adquire propriedade de si mesma. Quaisquer diferenças com o avaliador da questão, invocadas para negar seu status de autoproprietário, são argumentos de posição privilegiada. Certamente, a dimensão desta implicação será muito maior no futuro, supondo uma manutenção na acelerada taxa de aumento de capacidade das máquinas que, hoje, já observamos.

Não é possível abrir mão da autopropriedade. Você não pode perder voluntariamente seu status de autoproprietário, pois este emana da sua vontade consciente, que é intransferível. Você pode compartilhar com outra pessoa o domínio sobre si mesmo, mas este compartilhamento é uma simulação de propriedade: você na verdade exercita sua autopropriedade, e não a transfere, ao permitir que os desígnios de outrem influenciem o uso que você faz de si mesmo. Sempre que desejar, pode reclamar o controle sobre si mesmo, com total e pleno direito.


Governo Federal apresenta números oficiais sobre assassinatos homofóbicos em 2011

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Números oficiais de assassinatos homofóbicos
em 2011



Brasil teve 278 assassinatos por homofobia em 2011, diz governo 


No dia 28 de junho de 2012, o SITE TERRA noticiou um fato histórico no Brasil: Um levantamento realizado pela Secretaria de Direitos Humanos revelou que foram registrados ao menos 278 assassinatos relacionados à homofobia em 2011. O relatório também informava a ocorrência de 6.809 denúncias de violações aos direitos humanos de homossexuais durante o ano passado.

Essa notícia provoca dois sentimentos: alívio por ver que o governo federal finalmente está reconhecendo que a homofobia existe e mata no país; e vergonha, porque o governo brasileiro já deveria ter feito isso há muito tempo, e não só isso, mas promovido a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia no Brasil.

Durante mais de duas décadas, o Grupo Gay da Bahia (GGB), sob o comando do Dr. Luiz Mott, antropólogo e seu fundador, foi a única organização que se dedicou a registrar os números da homofobia no país. É a primeira vez que um levantamento oficial é feito pelo Executivo brasileiro. A divulgação foi parcialmente antecipada, em função do Dia Internacional da Cidadania LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), pela ministra Maria do Rosário. Ela informa que o registro das violações mencionadas no relatório é oriundo de denúncias feitas aos serviços Disque Direitos Humanos (Disque 100), Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), de dados do Ministério da Saúde e por meio de notícias publicadas pela imprensa.

O Site Terra ressalta que o levantamento aponta que, na maioria dos casos de agressão (61,9%), o autor é alguém próximo à vítima, o que pode indicar um nível de intolerância em relação à homossexualidade. Cerca de 34% das vítimas pertencem ao gênero masculino; 34,5% ao gênero feminino, 10,6% travestis, 2,1% transexuais e 18,9% não informado. Foram identificadas ao menos 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos. 




É interessante que não apenas as vítimas, mas os suspeitos de terem praticado a agressão tenham sido identificados. Isso abre caminho para as devidas ações legais. Um dos grandes problemas em relação à homofobia no Brasil é o senso de impunidade que as pessoas geralmente nutrem. No entanto, as cadeias brasileiras já contam com detentos que praticaram crimes contra homossexuais. Ainda não é o suficiente, visto que muitos crimes ficam sem registro. Muita gente ainda não denuncia. Coisa semelhante ocorria com as mulheres vítimas de violência doméstica. Elas sofriam caladas na maioria das vezes, até que Lei Maria da Penha foi aprovada. Hoje, as mulheres denunciam muito mais. Tomara que a lei anti-homofobia (ainda não aprovada pelo Congresso e Senado) tenha o mesmo efeito quando entrar em vigor.

Não é possível que legisladores continuem dificultando ou adiando a aprovação da PLC 122/06, que criminaliza a homofobia. Nosso vizinho Chile aprovou lei semelhante este ano, depois que um adolescente foi torturado e morto no país. Quantos crimes acontecerão até que o Legislativo brasileiro cumpra seu papel e aprove a lei anti-homofobia no país. Será que 278 assassinatos por homofobia em 2011 não são motivos suficientes para agilizar o processo legislativo?

É lamentável que as travestis ainda sejam tão vulneráveis em pleno século 21. Das vítimas de homicídio, 49% eram travestis. Estranhamente, o mesmo país que celebra o travestismo no show business fica indiferente diante de tamanha transfobia nas ruas. Contudo, grande parte dessa vulnerabilidade tem raízes econômicas. Muitas travestis ficam expostas à violência por causa da homofobia em círculos mais próximos, tais como a escola, o local de trabalho e a família. Muitas acabam tendo que sobreviver do ofício da prostituição, só que nas ruas, onde o risco é muito maior para quem trabalha nessa área. Boa parte do problema estaria resolvida se as travestis fossem acolhidas pelas instituições de ensino, pelo mercado de trabalho e pela próprias famílias.

A negligência familiar foi registrada pelo levantamento da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, demonstrando que um grande número de jovens é abandonado ou negligenciado quando revelam sua orientação sexual - o que torna a políticas públicas de enfrentamento à homofobia ainda mais urgentes.

A ministra Maria do Rosário anunciou a proposta de incentivar a criação de Comitês Estaduais de Enfrentamento à Homofobia, os quais funcionarão em parceria com governos estaduais, com o Conselho Federal de Psicologia e com outras organizações da sociedade civil.

Os grupos servirão para monitorar a implementação de políticas públicas, acompanhar ocorrências de violências homofóbicas, evitando a impunidade, e sensibilizar agentes públicos responsáveis por garantir os direitos do segmento. Também está em estudo a criação de um comitê nacional que se responsabilize por coordenar a ação dos demais comitês.


Ministra Maria do Rosário


"É preciso compreender que um crime contra um homossexual atinge não só a pessoa, mas a família e a sociedade como um todo. É assim que nós sentimos no governo brasileiro", disse a ministra Maria do Rosário, adiantando que a proposta de criação dos comitês ainda está sendo desenhada e vai depender de parcerias. "Há uma vontade política inabalável do governo federal de constituir mecanismos que mobilizem a sociedade contra a violência homofóbica. Acreditamos que, com as parcerias, os recursos necessários não serão tão grandes. O principal valor investido será a mobilização permanente da sociedade", disse.

O arquivo em pdf do relatório oficial completo já se encontra aqui.

É motivo para celebração que o governo esteja finalmente despertando para ações efetivas contra a homofobia. O governo federal costuma dizer que "país rico é país sem pobreza". Isso é verdade, mas eu acrescentaria que "país justo é país sem homofobia". E não apenas sem homofobia, mas sem racismo, sem misoginia, e sem outras formas de discriminação.

Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) comemorou o anúncio da ministra em pleno Dia Internacional da Cidadania LGBT, mas lamentou os números do levantamento: "Este posicionamento político de estabelecer o comitê nacional e os estaduais é muito importante. Já vínhamos denunciando a situação, mas hoje temos um dado oficial. É o governo brasileiro quem está reconhecendo que houve 6.809 violações dos direitos humanos de pessoas homossexuais", disse Reis, prometendo que as associações não-governamentais irão apoiar qualquer proposta da Secretaria de Direitos Humanos que vise a combater a homofobia, sobretudo a criação dos comitês estaduais.

Agora, é fundamental que todos os segmentos do Movimento e da Comunidade LGBT deem-se as mãos e trabalhem juntos. É igualmente fundamental que usemos as redes sociais para divulgar informações corretas e relevantes para que a sociedade se torne cada vez mais inclusiva e pluralista. Muitas pessoas heterossexuais têm sido grandes aliadas dessa causa e será muito bom receber o apoio de novos amigos da liberdade, da igualdade e da fraternidade (lema republicano da Revolução Francesa). O Brasil é uma república desde 1889, mas 123 anos depois da proclamação da república os cidadãos LGBT ainda carecem de direitos civis plenos. Nas últimas quatro décadas, essa injustiça tem sido denunciada pelo Movimento LGBT organizado, mas ainda existem muita gente LGBT que não faz ideia do que significa ser cidadão pleno e por quê isso é tão importante - o que nos leva à necessidade de outro aliado no combate à homofobia: Educação.

Se, por um lado, precisamos da justiça para coibir crimes com motivação homofóbica, por outro precisamos de educação para a diversidade sexual e de gênero, ou seja, contra a homofobia. A educação pode prevenir o que - de outro modo - a justiça em algum momento terá que punir. Viver em paz com o outro é bom para todos. Todo crime tem uma vítima e um culpado, pelo menos. A vítima acaba no hospital ou cemitério, mas o culpado geralmente vai para a cadeia, quando não morre antes. Como ser indiferente para com a homofobia se ela é a razão da infelicidade e destruição de tanta gente?





Criminalização da homofobia já!
Educação contra a homofobia e pela diversidade sexual e de gênero já!




Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da LiHS 

Dra. Tatiana Lionço sob ataque

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O Caso Tatiana Lionço: 
Bolsonaro Deturpa e Fundamentalistas Multiplicam

John Stuart Mill


Um dos maiores pensadores sobre a liberdade humana, John Stuart Mill, filósofo inglês (1806-1873), continua atual e relevante, especialmente quando nos damos conta de quanto mal ainda faz o fundamentalismo de certos religiosos e o ranço conservador de certos políticos e/ou instituições. 

É sabido que fundamentalistas de qualquer espécie não gostam de discutir seriamente suas próprias ideias e nem aquelas ideias que despertam sua ira ou repugnância. Eles gostam de criar pânico e confusão para fazer calar os discordantes. Geralmente, isso acontece porque eles acreditam possuir uma verdade única e abrangente, e pensam que podem, infalivelmente, decidir pelos outros, seja impondo restrições ou mandamentos. 

Stuart Mill chama a atenção para o fato de que as pessoas que geralmente perseguem aqueles que lhes parecem transviados, desviados ou ímpios na atualidade são as mesmas que reprovam os que acusaram e mataram Sócrates ou os que julgaram e mataram Cristo. John Stuart Mill diz exatamente o seguinte: 

“Os cristãos ortodoxos que estejam tentados a pensar que aqueles que apedrejaram até a morte os primeiros mártires devem ter sido pessoas piores do que eles próprios deviam lembrar-se de que um desses perseguidores foi são Paulo.”
(Sobre a Liberdade, p. 54, Saraiva de Bolso, 2011) 

Isto quer dizer que se Paulo foi tão veemente em sua perseguição contra aqueles que ele considerava hereges, desviados, blasfemos, mas posteriormente repensou sua posição e tornou-se ele mesmo um deles, convertendo-se a Cristo, ninguém pode estar absolutamente certo de que suas ideias sejam verdadeiras e ninguém tem o direito de impor suas crenças sobre os demais. 

Na verdade, Stuart Mill defende que as pessoas tenham  liberdade para expressar suas opiniões, mesmo quando elas sejam diferentes daquelas consideradas verdadeiras pela maioria. Ele não esconde sua preocupação de que a perseguição contra ideias divergentes possa perpetuar falsidades não questionadas. Ele adverte que “o ditado de que a verdade triunfa sempre sobre a perseguição é uma daquelas falsidades agradáveis que as pessoas repetem entre si até chegarem ao estatuto de lugares-comuns, mas que toda a experiência refuta.” (idem, p. 57) Mill ilustra essa preocupação com diversos fatos históricos, entre eles, os casos em que povos, seitas, e pensadores foram destruídos pela perseguição dos que os anatematizavam. 

Com isso, Mill também indica que não devemos esperar passivamente que a verdade se estabeleça quando a liberdade do indivíduo é violentada pelo dogmatismo fundamentalista ou conservador. É lícito agir para proteger a individualidade e a liberdade de todos, especialmente - nesse caso - da pessoa ou grupo vulnerável.

John Stuart Mill deixa muito claro, porém, que as ações não desfrutam do mesmo nível de tolerância que as opiniões e até mesmo as opiniões efetivamente prejudiciais a outros não devem ser toleradas. Ambas tem como limite o prejuízo ao outro: 

“Ninguém está a dizer que as ações devam ser tão livres como as opiniões. Pelo contrário, até as opiniões perdem sua imunidade quando as circunstâncias em que são expressas são tais que a sua expressão constitui efetivamente uma instigação a um ato danoso. (...) Qualquer tipo de atos que causem dano injustificável a outros podem ser controlados – e nos casos mais importantes precisam absolutamente de o ser – pelos sentimentos desfavoráveis das pessoas e, quando necessário, pela intervenção ativa. A liberdade do indivíduo tem de ter essa limitação; não pode prejudicar outras pessoas.” (idem, p. 90) 

Para John Stuart Mill, a diversidade é salutar, justamente porque, no mais das vezes, não conseguimos reconhecer todos os lados da verdade: “...então as mesmas razões que mostram que a opinião deve ser livre provam também que lhe deve ser permitido agir com base nas suas opiniões a seu próprio custo sem ser importunado. Que a humanidade não é infalível; que as suas verdades, na maior parte dos casos, são apenas meias verdades; que a uniformidade de opinião, a não ser que resulte da mais plena e livre comparação de opiniões opostas, não é desejável, e que a diversidade não é um mal, mas sim um bem, são princípios aplicáveis tanto à conduta das pessoas como às suas opiniões, até a humanidade ter mais capacidade para reconhecer todos os lados da verdade do que hoje em dia” (idem, p. 91) 

O filósofo deixa claro que não há pretexto que possa justificar a supressão da individualidade: 

“... e tudo o que esmague a individualidade é despotismo, chame-se-lhe o que se lhe chamar, e quer afirme estar a fazer cumprir a vontade de Deus ou os preceitos das pessoas.” (idem, p. 100) 

E acrescenta que tentar suprimir a individualidade e impor a uniformidade prejudica a todos, inclusive o déspota: 

 “O poder de forçar os outros a segui-lo não só é inconsistente com a liberdade de desenvolvimento de todos os outros, como também corrompe a própria pessoa forte.” (idem, p. 104) 

Por causa desses vigiadores da vida alheia, a vida de uma pessoa que não se enquadre no que eles consideram o modo correto de viver geralmente sofre maledicência e perseguição: 

“Mas o homem, e ainda mais a mulher, que pode ser acusado de fazer ‘o que ninguém faz’, ou de não fazer ‘o que todos fazem’, é alvo de tantos comentários depreciativos como se tivesse cometido um grave delito moral.” (idem, p. 106) 

John Stuart Mill insta a que sejam tomadas providências imediatas contra o abuso daqueles que pretendem impor suas crenças sobre os demais e que rotulam tudo o que escapar dessa uniformidade como ímpio, imoral, monstruoso e antinatural. Ele diz o seguinte: 

“É apenas nos primeiros estágios que se pode tomar com sucesso qualquer posição contra o abuso. A exigência de que todas as outras pessoas se assemelhem a nós cresce através daquilo de que se alimenta. Se a resistência esperar até a vida estar quase reduzida a um tipo uniforme, todos os desvios em relação a esse tipo virão a ser considerados ímpios, imorais e até monstruosos e antinaturais. As pessoas tornam-se rapidamente incapazes de conhecer a diversidade quando perderam durante algum tempo o hábito de ver.” (idem, p. 113) 

Um dos sintomas da neurose fundamentalista é a ideia de que seus adeptos têm a missão de converter os demais custe o que custar, e que este não o fizer, será punido por Deus: 

 “A ideia de que uma pessoa tem o dever de que outra seja religiosa foi o fundamento de todas as perseguições religiosas alguma vez feitas e, se aceite, justifica-las-ia plenamente. (...) É a crença de que Deus não só detesta o ato do descrente, mas também não nos deixará isentos de culpa se o deixarmos sossegado.” (idem, p. 134) 

O mesmo desejo de uniformizar, aniquilar a individualidade, suprimir a liberdade humana em nome de um código moral ou de fé é típico de fundamentalistas religiosos e conservadores em geral. Recentemente, isso ficou muito claro no caso de Tatiana Lionço. 

Tatiana foi a moderadora do encontro no qual falei sobre "As Falácias da Rerversão Sexual" (18/08/12). 
O evento foi promovido pela Cia. Revolucionário do Triângulo Rosa.


Tatiana é Doutora em Psicologia, professora de graduação e mestrado em Psicologia do UniCEUB e membro-fundadora da Cia. Revolucionária Triângulo Rosa, e desempenhou papel importante como integrante da mesa formada durante o 9º Seminário LGBT (Sexualidade, papéis de gênero e educação na infância e adolescência), realizado no dia 15/05/12, na Câmara dos Deputados. O seminário foi organizado pelas Comissões de Direitos Humanos e Minorias e Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, e contou, pela primeira vez, com o apoio e organização de duas Frentes Parlamentares Mistas: pela Cidadania de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente. 

A fala de Tatiana Lionço pode ser encontrada no minuto 2:38:20 no seguinte vídeo:




 Todas as falas da mesa realizada pela manhã encontram-se integralmente nesse vídeo. 

Recentemente, fundamentalistas e conservadores começaram a distorcer as falas de Tatiana durante o seminário e a espalhar calúnias contra ela em sites e blogs da internet. Um deles é blog ADHT: DefesaHetero.org. No dia em que essa nota foi escrita (26/08/12), o referido blog ainda exibia a seguinte manchete:

 "Tatiana ‘deixa os menores de 12 anos brincarem sexualmente em paz’. Lionço ameça DefesaHetero por divulgar trecho de vídeo do Deputado Federal Jair Bolsonaro.” (http://defesa-hetero.blogspot.com.br/). 

 A própria chamada já denuncia a autoria do vídeo deturpado: Jair Bolsonaro! Porém, o administrador do blog também contribuiu com sua cota de difamação reproduzindo as seguintes imagens (online em 26/08/12).

"É ela, 
TATIANA LIONÇO, 
nas imagens e falas abaixo:" 


Fonte: http://defesa-hetero.blogspot.com.br/2012/08/tatiana-os-menores-de-12-anos-brincarem.html (online em 26/08/12) 


O contato que o site apresenta é do  Rev. Dr. Alberto Thieme. O site literalmente diz o seguinte:

Escreva para nosso fundador e presidente, o Rev. Dr. ALBERTO TIHEME em defesa_hetero@yahoo.com.


Este é o Pr.Alberto Thieme. 
Fonte da Foto (online em 26/08/12): 




Jair Bolsonaro foi quem produziu o vídeo deturpado e difamatório, 
segundo o próprio Pr. Alberto Thieme.

Não existe justificativa para quaisquer ações criminosas por parte de um parlamentar. Jair Bolsonaro é deputado e o papel de um parlamentar é o de preservar a democracia e legislar em favor do cidadão e da sociedade, mas ao contrário disso, ele tem se envolvido em difamação, racismo, discurso homofóbico, desrespeito a colegas parlamentares, etc. Desta vez, ele atentou contra a dignidade e a honra de uma profissional altamente qualificada e respeitada em seu campo de atuação, pervertendo sua palavras durante um seminário que tratava de educação, com um viés psicológico e sociológico. 

Tatiana Lionço, como qualquer pessoa em sã consciência, sentiu-se ferida com toda essa cruzada difamatória. Sua resposta foi dada em forma de texto, ironizando a própria difamação para mostra-la ainda mais absurda.

Tatiana Lionço falando no 9º Seminário LGBT



Além dessa resposta em forma de texto, Tatiana escreveu uma carta aberta ao Rev. Alberto Thieme, a qual também foi enviada à direção da Igreja Presbiteriana, denominação à qual pertence o tal pastor. A carta pode ser lida aqui: 


A Dra. Tatiana Lionço sentiu-se obrigada a encerrar seu perfil no Facebook, pois fotos pessoais estavam sendo usadas para ridiculariza-la. Ela também temia por sua segurança. Porém, ela abriu um outro perfil com conteúdo menos pessoal. Tatiana também começou a esboçar um blog: http://gentetransviada.wordpress.com/

Todas essas são formas úteis e lícitas de esclarecimento, mas não atingem todas as pessoas que foram envenenadas pela difamação pelas calúnias dos textos/vídeos/imagens produzidos ou multiplicados por conservadores e fundamentalistas que, em nome de uma suposta moralidade, cometem atos que - mais do que imorais - são prejudiciais contra uma pessoa cuja conduta e trabalho têm contribuído tanto para a causa da liberdade, felicidade e do conhecimento humanos. 

Por isso, muitos internautas já começaram a se mobilizar para multiplicar o esclarecimento sobre o caso. 

Jean Wyllys no 9º Seminário LGBT na Câmara

Também, segundo Tatiana, a assessoria do Deputado Jean Wyllys tem se mobilizado solicitar as sanções jurídicas cabíveis contra os envolvidos. 

Toni Reis, presidente da ABGLT

Essa semana, Toni Reis, presidente da ABGLT, respondendo a Marina Reidel – que solidariamente solicitava apoio para Tatiana Lionço – também garantiu que as devidas providências estão sendo tomadas: “Estaremos processando com todas as leis que ele infringiu. Não nos calaremos.” - escreveu Reis. 

O Conselho LGBT da Liga Humanista Secular do Brasil coloca-se à disposição para apoiar Tatiana Lionço. É dever de todo humanista e secularista trabalhar para manter a liberdade de consciência, assim como para garantir que os indivíduos terão meios de se proteger contra o obscurantismo fundamentalista/conservador, o qual seria inofensivo aos outros se ficasse confinado ao campo das opiniões desses mesmos moralistas. Contudo, no momento em que esse fundamentalismo passa a perseguir os indivíduos que não se conformam aos seus ditames uniformizadores, ele viola o princípio da liberdade humana, incita a violência contra os indivíduos divergentes - ainda que no campo do simbólico -, devendo ser reprovado no âmbito da sociedade (todos nós) e coibido através do aparelho estatal, neste caso polícia e justiça.


Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS)

Conselho de Assuntos Femininos da LiHS agora é Conselho Feminista

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Autoria: Vanessa Prates, presidente do CoFem (Conselho Feminista da LiHS)



Rosa Parks, uma de nossas inspirações

Quando esse Conselho nos foi oferecido, há mais ou menos um ano, ainda sentíamos muita resistência ao feminismo aqui pelas bandas da LiHS. Era notório como os participantes tinham um pé atrás não só com as feministas, mas com a própria palavra feminismo (talvez por desconhecer o próprio feminismo e também por não sacar que todo humanista é obrigatoriamente feminista) . Backlash explica!
Só que como boas ocupadoras de espaços, não recusamos a oferta. Ou pegávamos ou pegávamos.
Acabamos aceitando sem muito pensar no nome mais apropriado – e naquilo que de fato desejávamos. E talvez pela falta de disposição de uma conversa mais séria, finalizamos em Conselho para Assunto Femininos.
Obviamente que não se tratava de dicas de maquiagem, receitas ou melhores posições para o sexo (rs). O espaço buscava informar, conscientizar e debater a existência do machismo na nossa sociedade, assim como maneiras de intervenção/atuação direta e/ou indiretamente através do nosso Conselho.
Daí vocês podem me perguntar: Mas por que essa mudança agora? Qual a diferença entre Conselho para Assuntos Femininos e Conselho Feminista?
Na prática, nenhuma. A diferença é mais na questão conceitual, já que o feminino não precisa, necessariamente, estar atrelado à MULHER – e a figura mulher. A ideia de feminino lembra automaticamente o masculino, e isso nos remete a um binarismo. Sem dizer que comportamentos entendidos como autenticamente femininos (normas de gênero) nos são reforçados a todo tempo através da nossa cultura – verdadeiros agentes de opressão, já que é praticamente inquestionável uma mulher não ser feminina ou mesmo um homem ser feminino (com toda complexidade que o feminino representa).
E depois, nossa sociedadeé plural. Temos mulheres não femininas. Temos homens femininos. Temos mulheres com pênis. Temos homens com vulva, etc.
Ademais, quando falamos de feminismo, num sentido político/filosófico, falamos de um movimento onde pessoas buscam um mundo socialmente igualitário para tod@s – homens e mulheres. E como nosso Conselho representa pessoas feministas na sua pluralidade (femininas, masculinas, andróginas, intersexuais), nada mais pertinente que nomeá-lo enquanto tal.
 O debate deve ser amplo e pra tod@s!

 “Se não posso dançar, não é minha revolução” – Emma Goldman

Se você deseja participar do CoFem e receber novidades, entre no grupo do site oficial de membros da LiHS. Se ainda não é membro da LiHS, inscreva-se!


Livro A Estratégia: uma refutação

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A editora Central Gospel, cujo dono é o Pr. Silas Malafaia, é responsável por comercializar o livro A Estratégia no Brasil. O autor é o pastor americano Louis Sheldon. 


Na sexta-feira, 14 de setembro, decidi comprar o livro pessoalmente na sede da Central Gospel, que fica num prédio anexo à igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na rua Belissário Pena, bairro da Penha, Rio de Janeiro. Não queria perder a viagem procurando em alguma livraria sem encontrar um exemplar do mesmo. Paguei o livro à vista e ainda pedi desconto. É triste reconhecer, mas cada centavo a menos na mão deles é um centavo a menos contra nós.


Li todo o livro, fazendo anotações, prestando atenção às informações, números, etc. Garanto que o livro espalha diversas calúnias contra a comunidade LGBT e o movimento LGBT, e demonstro isso no vídeo que você vai assistir adiante. 


Uma coisa fica muito clara quando se lê o livro e se ouve o que dizem Silas Malafaia, Magno Malta, Marcos Feliciano e outros oponentes dos direitos civis dos homossexuais, bissexuais, transexuais e travestis ligados a esses senhores: O discurso deles é um plágio descarado do livro A Estratégia e de outros livros semelhantes e anteriores a esse.


O vídeo que você vai ver agora é uma resposta do Conselho LGBT da Liga Humanista Secular do Brasil na voz de Sergio Viula, presidente do mesmo. É um trabalho singelo, despretensioso mesmo, mas não fica no bate-boca. Parte para o esclarecimento de mentiras e distorções apregoadas pelo autor do livro. Muita coisa foi deixada de fora, caso contrário o vídeo teria duas horas. Mas nos próximos 50 minutos você vai ter material suficiente para entender por que esse livro é um incitador de ódio e por que nenhum desses pastores ou políticos homofóbicos é, no mínimo, intelectualmente honesto. 


Apesar de controvérsias jurídicas contra o livro como incitador de ódio contra os homossexuais, até a presente data nenhuma resposta foi dada ao  texto do Pr. Sheldon em si mesmo. Essa é a primeira com esse teor desde o lançamento do livro em português. 


Então, aproveite. E, depois, divulgue. 




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Bibliografia citada no vídeo:

1.  Heather M. Moulden, Philip Firestone, Drew A. Kingston, & Audrey F. Wexler - A Description of Sexual Offending Committed by Canadian Teachers: School of Psychology, University of Ottawa, 2008;
2. Ministério da Saúde - Boletim Epidemiológico - Aids e DST - Ano VIII, nº 1 - 27ª a 52ª semanas epidemiológicas, julho a dezembro de 2010 e Ano VIII - nº 1 - 01ª a 26ª semanas epidemiológicas, janeiro a julho de 2011;
3. Varella, Drauzio - Causas da homossexualidadehttp://drauziovarella.com.br/sexualidade/causas-da-homossexualidade/  (online em 16/09/12);
4. Wikipedia - Criticism of conversion therapyhttp://en.wikipedia.org/wiki/Exodus_International (online em 16/09/12);
5. Hogg, Robert S. - Gay life expectancy revisited, International Journal of Epidemiology: http://ije.oxfordjournals.org/content/30/6/1499.full (online em 16/09/12);
6. Wikipedia - North American Man/Boy Love Association (NARTH): http://en.wikipedia.org/wiki/North_American_Man/Boy_Love_Association (online em 16/09/12);
7. American Psychological Association - Resolution on Appropriate Affirmative Responses to Sexual Orientation Distress and Change Effortshttp://www.apa.org/about/policy/sexual-orientation.aspx (online em 16/09/12);
8. American Psychological Association - Elevated rates of suicidal behavior in gay, lesbian, and bisexual youthhttp://psycnet.apa.org/journals/cri/21/3/111/ (online em 16/09/12);
9. Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) - Violência doméstica nas relações homossexuaishttp://apav.pt/lgbt/menudom.htm

LiHS subscreve documento do UNAIDS em favor da criminalização da homofobia no Brasil

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Neste domingo, dia 04/11/12, a LiHS (Liga Humanista Secular do Brasil) assinou documento em apoio à criminalização da homofobia no Brasil. O documento é fruto da reunião do Grupo de Trabalho (GT) do UNAIDS (divisão da ONU para a Aids) no Brasil no começo de outubro deste ano, sob a direção do Sr. Pedro Chequer, representante do UNAIDS no Brasil. 

O GT é composto por várias organizações de peso como Unesco, Unicef, OIT, OMS, USAID, CDC, Comissão Europeia, além de representantes brasileiros como a SEDH/PR. 

O apoio da LiHS ao documento expedido pelo UNAIDS foi assinado pela presidente em exercício Åsa Dahlström Heuser. A proposta foi apresentada por Luiz Henrique Colleto, membro do Conselho LGBT da LiHS e prontamente apoiada pela diretoria. 

Leia o posicionamento do UNAIDS sobre a Criminalização da Homofobia no Brasil na íntegra aqui: 


Leia também a carta de apoio da LiHS ao posicionamento da UNAIDS, através da qual a Liga Humanista Secular do Brasil doravante subscreve o documento: 


Caro Sr. Pedro Chequer - Coordenador do UNAIDS no Brasil, 

A Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS) é uma entidade de abrangência nacional, com mais de 2.500 membros, comprometida com o humanismo secular no país. A defesa dos direitos humanos é um dos pilares do humanismo secular, e a LiHS tem participado constantemente de ações que promovam, entre outros, os direitos humanos de pessoas LGBT e combatam o preconceito por orientação sexual e identidade de gênero no Brasil. 

Gostaríamos, portanto, de assinar o documento "Posicionamento do Grupo Temático Expandido em HIV/Aids no Brasil sobre o enfrentamento à violência homofóbica e discriminação por orientação sexual e identidade de gênero" produzido sob sua coordenação em 10 de outubro passado. Colocamo-nos também à disposição deste GT e outras organizações comprometidas com a promoção dos direitos humanos da população LGBT no Brasil para outras ações futuras. Nosso endereço eletrônico é http://ligahumanista.org/ e os princípios básicos do humanismo secular podem ser lidos aqui


Atenciosamente, 


Åsa Dahlström Heuser 
Presidente em Exercício


Os vídeos das reuniões que culminaram no pronunciamento oficial do UNAIDS poderão ser acessados e assistidos nos seguintes links: 







Organizado por Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da LiHS

A Audiência sobre a "Cura Gay" (sic)

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Deputado João Campos (PSDB-GO) tentando legitimar a 'cura gay' em oposição à Resolução do próprio Conselho Federal de Psicologia



O deputado federal João Campos (PSDB-GO) é autor do  Projeto de Decreto Legislativo 234/11, que susta a vigência da resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) 001/99. A proposta visa abrir caminho para que os profissionais da psicologia que acreditam na 'reversão' da homossexualidade em heterossexualidade proponham os chamados 'tratamentos' ou 'curas' para gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros. 

Vale ressaltar que essa proposta do deputado cristão contraria a classificação de doenças adotada pelas maiores organizações mundiais de saúde, inclusive a OMS (Organização Mundial de Saúde), APA (Associação Americana de Psiquiatria), OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), dentro dezenas de outras. O que ele propõe parece ser uma tentativa de ditar o que é supostamente científico a partir de pressupostos questionáveis quanto ao que seria certo e errado no campo da sexualidade humana, ignorando propositadamente a diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero dos indivíduos. 

Toni Reis, presidente da ABGLT é enfático em denunciar que:

"Prometer cura para o que não é doença, no caso para a homossexualidade, é charlatanismo."

E chama atenção para os avanços dos direitos humanos e da inclusão da diversidade sexual e de gênero em nível mundial, apesar de muita coisa ainda precisar mudar em termos de legislação. Ele destaca que:

“Em sete países do mundo, existe pena de morte para homossexuais, em outros 75 há pena de prisão. Por outro lado, 58 já aprovaram a criminalização da homofobia e 34 países reconhecem a união de pessoas do mesmo sexo, entre eles o Brasil.”

Em Brasília, a próxima etapa dessa investida fundamentalista contra a resolução CFP 001/99, que proíbe que psicólogos tratem os homoafetivos como doentes por causa de sua homoafetividade, será uma audiência pública a ser realizada no dia 27 de novembro de 2012.

Apoiando o deputado João Campos na absurdidade desse projeto anti-gay que atropela diversas áreas de saber, não somente a da psicologia, estão o Pr. Silas Malafaia, a psicóloga (cristã) Marisa Lobo, a psicóloga (cristã) Rozângela Justino, assim como alguns outros pastores da bancada evangélica na Câmara. 

A Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS) enviou ao Conselho Federal de Psicologia (CFP), em 24/11/12, uma carta manifestando seu apoio à manutenção integral da Resolução do CFP 001/99, assim como tornando público seu repúdio ao Projeto de Decreto Legislativo 234/11 do Deputado João Campos e conclamando toda a sociedade brasileira a que faça o mesmo.

Leia a carta da LiHS a seguir:


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Caro Sr. Humberto Verona – Presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), 


A Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS) é uma entidade civil, aberta, cujos valores são o Humanismo, o Secularismo e o Racionalismo. Fundada em 2009, com sede em Porto Alegre – RS, sua principal missão é vigiar o Estado Brasileiro na sua relação com as religiões de forma a evitar o desrespeito à Constituição Nacional no que tange às prerrogativas Seculares estabelecidas. Possui abrangência nacional e tem hoje cerca de 2.550 membros que consideram que a defesa dos direitos humanos é um dos pilares do humanismo secular.




Neste sentido, a organização tem participado constantemente de ações que promovam os direitos humanos de pessoas LGBT e que combatam o preconceito por orientação sexual e identidade de gênero no Brasil. 



Frente ao exposto, a LiHS vem publicamente manifestar seu apoio à manutenção da Resolução CFP nº 001/99 que vem sendo alvo de ataques dos setores religiosos no Congresso Nacional. Mais recentemente o deputado João Campos (PSDB-GO) publicou o PDC n° 234/2011 que visa sustar artigos da referida Resolução. Em nosso entendimento, os argumentos que sustentam a modificação carecem totalmente de base científica.



Além disso, a alteração pode permitir a prática negativa da profissão por parte de psicólogos mal intencionados que poderiam passar a vender a ilusão de que existe um tratamento que pode levar à mudança da orientação sexual da pessoa. Tratamento este que pode colocar em risco a saúde mental dos pacientes.



Portanto, queremos registrar nossa contrariedade no que diz respeito à modificação da Resolução CFP nº 001/99, que segue os padrões científicos e éticos também reconhecidos por órgãos internacionais como a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a APA (Associação de Psiquiatria Americana), assim como nosso repúdio ao que entendemos ser mais uma tentativa de enfraquecer os pilares científicos dos Direitos Humanos no Brasil. 


Conclamaremos, através de nossa rede, a sociedade brasileira a resistir a essa perseguição contra as minorias sexuais no país.

Colocamo-nos à disposição do CFP e de qualquer outra instituição ou pessoa comprometida com a preservação e expansão do saber científico e com o respeito à dignidade e à diversidade humana. Nosso endereço eletrônico é http://ligahumanista.org/ e os princípios básicos do humanismo secular podem ser lidos aqui.



Atenciosamente, 


Åsa Dahlström Heuser 
Presidente em exercício

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Continuaremos acompanhando e informando os desdobramentos desse debate. Apoie a LiHS na defesa da laicidade, desta vez na área do saber científico e na prática terapêutica da Psicologia. 

Divulgue essa nota.

Grato desde já,

Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da LiHS

Sugestões e Críticas à Reforma do Código Penal (PLS n.º 236/2012)

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Ofício 004/2012 - LiHS; disponível também na página do Senado.


Ao Excelentíssimo Presidente da Comissão Temporária – Reforma do Código Penal (CTRCP) – Projeto de Lei do Senado nº 236/2012 (PLS nº 236/2012)

Sr. Senador Eunício Oliveira



A Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS), associação civil de direito privado, de caráter humanista secular, inscrita sob o CNPJ nº 10.376.530/0001-92, sem fins lucrativos, com sede na cidade de Porto Alegre/RS, na Rua Duque de Caxias, 837/702, Centro Histórico, cujo escopo consiste basicamente na busca de um  “(...) Estado verdadeiramente laico, no qual as decisões políticas, administrativas, legislativas e judiciais não sejam influenciadas por doutrina ou dogmas  religiosos, de uma forma que haja igualdade de oportunidades para a existência de todas as crenças e convicções no espaço e poder públicos” (art. 2º, inc. VI, do Estatuto), vem por meio desta, atendendo ao chamado do Senado por participação da população no processo de reforma do Código Penal (Projeto de Lei do Senado nº 236/2012), solicitar que Vossas Senhorias se atentem para os seguintes pontos do PLS n.º 236/2012, que nos parecem ameaçar direitos fundamentais constitucionalmente protegidos:

1) O artigo 56, que lista os crimes hediondos, inclui o estupro, inclusive o de vulnerável, repetindo dispositivo salutar do Código Penal atual. No entanto, não inclui os demais crimes de natureza sexual, o que se revela problemático em face da definição de estupro do anteprojeto, mais restrita do que a presente no atual Código Penal. O anteprojeto considera estupro apenas a coerção para a cópula anal, vaginal e oral, tendo criado tipos penais diferenciados para dar conta de outras violações (p.ex: inserção e manipulação de objetos). No entanto, os demais crimes não estão entre os definidos como hediondos, assim como não constam como hediondos a exploração da prostituição, que muitas vezes assemelha-se a verdadeira escravidão, e os crimes de natureza sexual cometidos contra crianças e adolescentes, tais como a coação para participação em vídeos de sexo ou o compartilhamento de imagens pornográficas infantis (Arts. 493 a 498). Todos os crimes de natureza sexual têm graves consequências para a vítima (principalmente tratando-se de criança), podendo deixar sequelas físicas e emocionais para o resto da vida. Merecem todos o rigor que a lei reserva aos crimes mais graves, principalmente o cumprimento inicial da pena em regime fechado, tendo em vista a periculosidade das pessoas que os cometem. 

Pleiteamos, portanto, a inclusão no rol de crimes hediondos de todos os crimes contra criança e adolescente que tenham natureza sexual e de todos os crimes contra a dignidade sexual, com exceção do assédio sexual. 

2) O Capítulo VI, do Título XVI (“Dos crimes contra  a humanidade”), incorpora as leis penais de combate à discriminação ou preconceito motivado por gênero, raça, cor, etnia, identidade de gênero ou orientação sexual, religião, procedência regional ou nacional ou por outro motivo assemelhado, indicativo de ódio ou intolerância.

Embora seja louvável a ampliação do rol desses crimes para punir a discriminação ou preconceito motivado por gênero, identidade de gênero ou orientação sexual, incorporar tais leis no código não foi salutar porque tais leis fazem parte de um subsistema que deveria ficar à parte, além de repetir os tipos penais da Lei n.º 7.716/89, reproduzindo a inefetividade pública e notória desta.

De qualquer modo, o preocupante nesse item é a absoluta ausência de cominação de penas aos delitos, tampouco há remissão às penas de outros crimes. Temos, em afrontosa violação ao princípio da legalidade, crimes sem penas. Na versão do relator, observa-se a pena de 02 (dois) a 05 (cinco) anos e multa no crime do inc. VII, mas a versão apresentada no Senado não comina qualquer pena. Por óbvio, nada impede que sejam apresentadas emendas para suprimir tal lacuna, a qual, diante de tantos outros erros graves do projeto, não parece ser mero acaso.

Outro artigo extremamente problemático diz respeito ao inc. VII, o qual trata exatamente das práticas e do “discurso de ódio” que incitam ou induzem o preconceito e a discriminação. O referido dispositivo estabelece que constitui crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito, pela fabricação, comercialização, veiculação e distribuição de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que a indiquem, inclusive pelo uso de meios de comunicação e internet”.

Ora, tal inciso certamente foi redigido com a intenção de afastar a pecha de ofensa ao princípio da taxatividade penal, contudo acabou por deixar condutas graves fora do âmbito de alcance da norma.

Os espaços de formação de opinião nos quais o discurso de ódio e outras ideias contrárias aos direitos fundamentais e aos ideais democráticos protegidos constitucionalmente podem ser espalhadas e ir muito além dos meios de comunicação e da internet. 

As formas pelas quais o discurso de ódio e outras ideias contrárias aos direitos fundamentais e aos ideais democráticos protegidos constitucionalmente podem ser espalhadas vão muito além da confecção de emblemas, mensagens, símbolos e publicações. A redação do anteprojeto não contempla, por exemplo, a propagação do preconceito de forma verbal dentro de sala de aula, a pregação de ódio nas praças públicas, as manifestações de rua de cunho preconceituoso. De acordo com ela, o  o grupo neonazista que faça uma passeata pelas ruas promovendo o racismo, a homofobia, a xenofobia, etc, não estará cometendo crime algum desde que não porte nenhum emblema ou publicação defendendo tais ideias nefastas. Torna lícito o ato de postar-se em praça pública, proferindo discurso racista, homofóbico, misógino, de intolerância religiosa, de preconceito contra portadores de deficiência, etc. Ou seja, é proibido pregar o ódio e a intolerância por escrito, mas verbalmente não há problema, mesmo quando isso aconteça dentro de espaços de formação educacional, ou na rua, espaço que é de todos e onde todos deveriam sentir-se seguros.

Ademais, ao contrário da lei atual, tal tipo penal prevê apenas um rol restrito de práticas discriminatórias que constituem crime. Ou seja, qualquer forma de discriminação além das constantes em seus incisos I a VI não será punida pelo Direito Penal. Imagine-se, por exemplo, a inadmissível situação de tratamento diferenciado a aluno negro em ambiente escolar, não prevista no artigo, que menciona apenas o impedimento de “inscrição ou ingresso” em estabelecimento de ensino. Imagine-se o impedimento de acesso ou tratamento diferenciado dispensado em estabelecimento do sistema público de saúde. Imagine-se a situação da pessoa que se recusa a alugar ou vender residência para outrem em virtude de cor, gênero, orientação sexual, religião. Imagine-se a recusa de atendimento por parte de servidor público, motivada pelo preconceito. Nada disso encontra-se previsto no anteprojeto. Em virtude do grande número de interações sociais presentes no cotidiano, é possível que o preconceito e a discriminação manifestem-se em todas elas.

É inadmissível oferecer a grupos desprivilegiados a proteção legal trazida pelo Direito Penal apenas em algumas áreas de sua vida. Equivale a dizer que há algumas condutas discriminatórias que são menos graves, que não merecem reprimenda legal, que são condutas relativamente aceitas pela sociedade e pelo Estado (ao menos, suficientemente aceitas a ponto de não configurarem crime). Nosso ordenamento jurídico atual define como crime “praticar, incitar ou induzir o preconceito ou a discriminação”, redação suficientemente ampla para abranger todas as condutas que violem o direito fundamental à igualdade e à dignidade. Restringir o rol de condutas discriminatórias puníveis a um rol de apenas seis incisos, tornando legais todas as demais, é incompatível com um Estado que pretende promover o bem de todos sem discriminação.


3) O artigo 61 determina que as penas restritivas de direitos substituem a prisão quando a pena aplicada for inferior ou igual a dois anos, ainda que cometidos com violência ou grave ameaça. Tal artigopermite que não seja aplicada pena de prisão para crimes de violência doméstica, o que é absolutamente contrário ao espírito da Lei Maria da Penha, que proíbe, por exemplo, o julgamento de tais crimes no Juizado Especial Criminal e a substituição da pena de prisão por penas pecuniárias. A Lei Maria da Penha tem como principal objetivo a efetiva proteção da mulher que sofre violência, o que não ocorrerá caso o agressor não seja afastado do convívio social.

4) O artigo 257 (perturbação do sossego), que torna crime “fazer gritaria ou algazarra”, exercer “profissão incômoda ou ruidosa” e “não impedir barulho de animal do qual se tem a guarda” apresenta diversos problemas, a começar por tratar-se de tipo penal por demais vago. Tal artigo coloca em risco cidadãos que saiam às ruas para exigir seus direitos e expressar suas opiniões, pois tal ato poderia ser classificado como “gritaria ou algazarra”, o que vai de encontro ao direito constitucionalmente garantido de livre expressão e associação. Da mesma forma, o artigo não especifica o que vem a ser “profissão incômoda ou ruidosa”, o que viola o direito ao livre exercício profissional, garantido pela Constituição, e torna vulneráveis grupos já desprivilegiados, como profissionais do sexo, artistas de rua, camelôs e feirantes. Tal criminalização de qualquer conduta “incômoda”, não definida pela lei, é incompatível com um Estado democrático de Direito, pois a condenação depende da interpretação absolutamente subjetiva da autoridade policial, do representante do Ministério Público e do Juízo.

Ademais, há margem para aplicação seletiva da lei, pois há mais chance de persecução penal de condutas praticadas em áreas desprivilegiadas da cidade ou por membros de grupos vulneráveis. Salientamos ainda o fato de que as condutas descritas em tal artigo, principalmente a que diz respeito ao cuidado de animal do qual se tem a guarda, dão margem a que a lei seja utilizada como arma entre pessoas que tem entre si um desentendimento pessoal, levando a polícia, o Judiciário e o Ministério Público a empregar tempo e recursos arbitrando, p.ex: querelas entre vizinhos por conta de animais barulhentos, um inaceitável desperdício de tempo e recursos públicos, principalmente considerando o quanto o Judiciário brasileiro encontra-se sobrecarregado. 

Pleiteamos, portanto, a supressão do artigo 257 e de qualquer tentativa de criminalizar as condutas ali descritas. 

5) O artigo 424, que torna crime “pichar ou conspurcar edificação ou monumento urbano” é também tipo penal por demais vago, já que não define o que configura o ato de “conspurcar”. Novamente, a avaliação do que é ou não crime passa a depender exclusivamente do entendimento subjetivo da autoridade policial, do promotor, do juiz, gerando preocupante e nociva insegurança jurídica à população, que ficará sem saber se a colagem de um cartaz, se a arte, se a intervenção urbana, tornaram-se crime. Ao dar margem à criminalização da colagem de cartazes, dos desenhos, da arte, tal artigo viola o direito à comunicação, livre expressão e informação. É importante lembrar que as ruas da cidade são muitas vezes utilizadas para divulgação de negócios, por meio de comerciantes e prestadores de serviço que não dispõem de outros meios para divulgar sua profissão.

Ameaçar tal ato com sanção penal é criminalizar a própria subsistência. Muitíssimo importante observar também que o artigo especifica que não configura crime o grafite realizado com autorização do proprietário do imóvel, porém não dá a este a prerrogativa de permitir o uso do muro de sua residência para nenhuma outra atividade, o que pode levar à absurda conclusão de que alguém pode ser punido por dispor de sua propriedade, permitindo que terceiros nela intervenham. A preservação do espaço público já é realizada por meio de leis municipais, que estabelecem sanções administrativas nos casos apropriados. Há outras formas de preservar o patrimônio público que não exigem o dispêndio de tempo e recursos das polícias e do já sobrecarregado Poder Judiciário. Há de se observar ainda que a pena máxima prevista para tal conduta (01 ano) nos parece por demais elevada quando comparada a outras sanções estabelecidas no projeto, tais como as penas mínimas para o crime de lesão corporal (06 meses) e molestamento sexual sem violência ou grave ameaça (01 ano).

Pleiteamos, portanto, a supressão do artigo 424 do anteprojeto e de qualquer tentativa de criminalizar as intervenções no espaço urbano. Caso tal artigo seja mantido, pleiteamos que: caso a intervenção aconteça em imóvel particular, a ação seja privada, só se procedendo mediante queixa do proprietário do imóvel; o artigo especifique que não configura crime a afixação de cartazes ou outras formas de intervenção urbana com fins educativos, sociais, artísticos ou para divulgação de comércio ou prestação de serviços; a pena máxima seja fixada em não mais do que 05 meses, visando evitar desproporção entre ela e as sanções mínimas estabelecidas no Código para condutas dotadas de maior lesividade.

6) Os crimes contra a propriedade imaterial tem penas absolutamente desproporcionais à sua gravidade, havendo previsão de sanções muito superiores às propostas para condutas que lesam bens jurídicos dignos de maior proteção, como se pode observar:

a) A violação ao direito de marca (Art. 177) tem pena de 01 a 04 anos. A pena mínima é maior do que os crimes de lesão corporal e furto (06 meses) e pena máxima maior do que a pena mínima para molestamento sexual sem violência ou grave ameaça (02 anos), roubo (03 anos), lesão corporal em 2º grau (02 anos) e em 3º grau (03 anos). Ou seja, a pena mínima para quem furta, por exemplo, uma bolsa, lesando o patrimônio de sua proprietária, é menor do que a pena de quem vende uma bolsa com violação de direito de marca (p. ex: com falsificação de logotipo de uma marca conhecida). Uma pessoa que agride a integridade corporal alheia terá uma pena mínima menor do que a de alguém que vende um tênis com violação ao direito de marca. É um absoluto contrassenso, pois a propriedade imaterial é alçada a um patamar de proteção superior à propriedade não imaterial e à integridade física, um dos direitos mais fundamentais do ser humano. O mesmo se dá quando se comparam as penas máximas. No ordenamento jurídico proposto pelo anteprojeto, a lesão corporal mais grave (p. ex: que ameace a vida ou cause perda de membro ou deformidade permanente) ainda é menos grave do que a violação do direito de marca.  O molestamento sexual mais grave, desde que praticado sem violência ou grave ameaça (como os cometidos rotineiramente por homens que aproveitam-se do anonimato proporcionado pelo transporte coletivo superlotado para violar a dignidade sexual alheia, o que motivou inclusive a criação de vagões de trem separados para mulheres no RJ) é ainda menos grave do que a violação do direito de marca. A pena máxima é igual à de abandono de incapaz e furto com o uso de explosivo (04 anos). Ora, é sabido que a lei não pode levar a conclusões absurdas, no entanto é exatamente isso o que se depreende da leitura do anteprojeto: A depender das circunstâncias, pode ser mais vantajoso roubar um carro ou explodir um caixa eletrônico do que vender uma bolsa com logotipo falso. E os pais que se vejam em difícil situação financeira enfrentam as mesmas consequências caso vendam produtos "falsificados" para sustentar seu filho ou caso o abandonem na porta de um hospital. 

b) Circunstâncias semelhantes ocorrem com a violação de direito autoral (Art. 172), e suas formas qualificadas (§2º e 3º). Vender obra intelectual com violação de direito autoral tem pena de dois a cinco anos. A pena máxima é superior à de abandono de incapaz (04 anos)!!! Ou seja, a depender das circunstâncias, é mais vantajoso furtar o acervo de filmes de uma videolocadora (pena mínima: 06 meses) a vender cópias não autorizadas de tais filmes (pena mínima: 02 anos). Não conseguimos imaginar em quais circunstâncias a violação de direitos autorais pode ser tão danosa à sociedade e aos bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico a ponto de  merecer maior reprovação aos olhos da lei do que o abandono de uma pessoa incapaz de defender-se e manter-se por si mesma.

No § 2º, merece aplausos a redução de pena para 01 a 04 anos, contudo mais uma vez nada salutar foi o aumento de penas para o § 3º, sendo que as penas do CP vigente merecem ser mantidas.

c) O mesmo se dá com a “violação de programa de computador”. Usar um programa “pirata” tem pena de 06 meses a 02 anos, ou seja, é punido com a mesma pena mínima quem furta um computador que tem instalados programas originais e quem compra um CD “pirata” de programa de computador. Quem, por sua vez, vende o programa incorre em pena de 02 a 05 anos. Ora, considerando que a pena mínima para o crime de furto é de 06 meses e a máxima é de 05 anos, e a pena mínima para o roubo é de 03 anos, tal artigo torna mais vantajoso o furto ou roubo de computadores do que a venda de programas “piratas” para os mesmos. A depender das circunstâncias, quem explodir a porta de uma loja de informática e furtar os produtos à venda será apenado com mais brandura do que o comerciante que vender um computador com um programa não-original, já que a pena mínima para o furto com o uso de explosivos é de 04 anos. 

Cabe lembrar ainda que, enquanto o furto e o roubo efetivamente diminuem o patrimônio da vítima, os crimes de “pirataria” não o fazem: o patrimônio do autor da obra ou do detentor da marca não é diminuído simplesmente porque seu produto é colocado à venda sem sua autorização. É falacioso, aliás, dizer que o detentor do direito autoral deixa de adquirir patrimônio, pois na maioria das vezes, quem adquire o produto pirata o faz por não ter condições ou interesse de adquirir o produto original (quem compra uma bolsa com um logotipo falso por R$ 30,00 dificilmente compraria uma bolsa original da mesma marca, que custa R$ 150,00). Ou seja, a violação de direito autoral em geral sequer causa lesão ao bem supostamente protegido. Ademais, a venda de produtos com violação de direito autoral é meio de subsistência de muitos cidadãos, que se encontram à margem do mercado formal de trabalho.

Os artigos citados puniriam com mais rigor a pessoa que trabalha vendendo produtos sobre os quais não possui direitos autorais do que aquela que furta, rouba, lesiona, molesta sexualmente, abandona incapaz. É um contrassenso! Os detentores de marca ou patente estão protegidos pelo Código de Propriedade Industrial, que torna crime a violação do direito de marca ou patente, e os detentores de direitos autorais estão amparados pela legislação cível, que permite que tomem as devidas medidas legais contra quem viola seus direitos. Não é necessário dispender dinheiro e tempo da polícia e do Judiciário a fim de proteger tais direitos por meio da legislação penal, que deve ser uma solução utilizada apenas em última instância, quando não há outros meios possíveis para coibir a conduta indesejada. 

Pleiteamos, portanto, a não inclusão dos crimes contra a propriedade imaterial no novo Código Penal, tendo em vista a existência de outras ferramentas legais, no âmbito cível e penal, à disposição daqueles que tiverem tal direito lesado. Caso tais tipos sejam mantidos no anteprojeto, pleiteamos que sejam adotados, para todos eles, as disposições adotadas pelo Código de Propriedade Industrial no que diz respeito à violação de marca, ou seja: que a ação seja de iniciativa privada, a ser proposta pelo detentor dos direitos autorais violados (haja vista a absoluta falta de lesividade da conduta à coletividade), a redução de pena para 03 meses a 01 ano ou multa, tal qual hoje temos no CP, bem como supressão dos arts. 174-178 por ofenderem o princípio de intervenção mínima.

7) O artigo 155, §1º, equipara a coisa móvel, para fins de crime de furto, a energia elétrica, água e gás canalizados, e o sinal de internet e de TV a cabo. A referência a água, energia elétrica e gás canalizado penaliza a população mais pobre, que muitas vezes não tem sequer acesso pelos meios legais a tais serviços, não fornecidos pelo Poder Público no local onde moram. Nossos Tribunais Superiores vem afirmando reiteradamente que água, gás e energia elétrica são serviços essenciais, que não podem ser cortados por falta de pagamento. Não deve ser tratado como criminoso quem, se vendo em difícil situação econõmica, utiliza serviços essenciais sem pagar por eles, pois encontra-se em estado de necessidade, excludente de ilicitude. A disposição relativa a sinal de internet e TV a cabo contraria jurisprudência reiterada de nossos Tribunais Superiores, que mantém o entendimento de que o sinal de TV a cabo não pode ser equiparado a coisa móvel, e portanto sua utilização não constitui furto. As companhias fornecedoras de água, energia elétrica e gás canalizado, assim como as operadoras de TV a cabo e os provedores de internet, tem a sua disposição outros meios legais para os casos de utilização de seus serviços sem pagamento, não sendo necessário que o problema seja resolvido por meio do Direito Penal. No entanto, caso seja mantido o §1º,, acreditamos que as penas para as condutas nele previstas devem ser menores do que as relativas aos demais crimes de furto, tendo em vista que a energia elétrica, a água e o gás canalizados são serviços essenciais, e que a utilização sem pagamento de sinal de TV a cabo e de internet não lesiona o patrimônio da companhia que os transmite, pois ele não é diminuído. Pleiteamos, portanto, que o artigo 155, §1º, preveja que, nos casos ali citados: só se procede mediante queixa de representante da companhia detentora dos serviços; o juiz pode deixar de aplicar a pena se: a) os bens furtados forem água, energia elétrica e gás encanado, se as circunstâncias revelarem que o furto se deu para atender a necessidades essenciais, o que se presume quando não sejam fornecidos pelo Poder Público no local onde mora o agente, ou b) quando o valor furtado for irrisório; o ressarcimento do dano extingue a ação até o trânsito em julgado da sentença condenatória; a pena é diminuída de um a dois terços quando o bem furtado está elencado no rol do §1º. 

8)  O artigo 464 institui o tipo penal "transgenerização forçada", ou seja, forçar alguém a modificar o corpo para a aparência comumente associada ao "sexo oposto", a fim de induzir a pessoa à prostituição, assim como abrigar a pessoa que teve o corpo modificado. Tal previsão encontra-se no capítulo Crimes Contra a Humanidade, ou seja, tal ato seria crime caso fosse cometido sistematicamente contra a população por uma organização ou pelo governo brasileiro, o que torna ainda mais desnecessária e suspeita a criação deste tipo penal, já que não há nenhum caso registrado em que tal conduta tenha sido praticada, em qualquer lugar do mundo.

Ademais, forçar modificação corporal em alguém, por óbvio, já é crime (lesão corporal, a qual, no PLS n.º 236/2012, seria de lesão corporal grave em terceiro grau, apenada com prisão de 03 a 07 anos, a teor do § 3º, inc. I, art. 129). Tal artigo pode tornar-se uma arma de intimidação contra pessoas que auxiliam profissionais do sexo travestis e mulheres trans a realizar modificações corporais. É sabido que muitos e muitas transexuais, devido aos entraves de acesso ao sistema de saúde, contam com a ajuda de outros indivíduos - que, em geral, são também transexuais e/ou pessoas de poucos recursos financeiros - para realizar modificações corporais. Tais pessoas muitas vezes também fornecem moradia às travestis e transexuais, principalmente às profissionais do sexo. Considerando que muitas delas são marginalizadas e tem pouco acesso à informação, podem ser levadas a acreditar que o que a lei proíbe é o auxílio em qualquer modificação corporal e o fornecimento de abrigo a qualquer transexual. Afinal, a definição do que são crimes contra a humanidade não se encontra no artigo 464, e pessoas que auxiliam transexuais poderiam ser extorquidas e ameaçadas com investigações a fim de supostamente descobrir se cometeram "transgenerização forçada" contra alguma das pessoas ajudadas por elas.

O potencial que este artigo tem para ser distorcido e usado contra uma população já desprivilegiada é muito maior do que qualquer proteção que ele ofereça à população, afinal a possibilidade de que tal crime venha a ser praticado um dia pelo Estado ou por uma organização é infinitesimal. Pleiteamos, portanto, a supressão do artigo 464 do anteprojeto de novo Código Penal. 

9) O art. 470, que torna crime omitir-se tornar públicos ou de exibir à autoridade administrativa ou judicial requisitante, documentos, autos ou partes de processos, registros, informações e dados classificados como secretos, comina pena de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. Além da desproporcionalidade da pena – no delito molestamento sexual sem violência ou grave ameaça, a pena varia de 01 a 02 anos –, há as penalidades administrativas, cíveis e penais (crime de desobediência, por exemplo) que punem suficientemente tal conduta. O Direito Penal só deve ser utilizado em último caso.

Pleiteamos, portanto, a supressão do artigo 470 do anteprojeto de novo Código Penal. 

9) O art. 471, por sua vez, fala que constitui crime destruir documentos públicos de valor histórico com a finalidade de impedir o seu conhecimento pela sociedade. A pena, que varia de 04 a 08 anos, é desproporcional, superando, por exemplo, a lesão corporal grave em terceiro grau (que resulte em aborto, incapacidade para qualquer trabalho; ou deformidade permanente), apenada com prisão de 03 a 07 anos, a teor do § 3º, inc. I, art. 129.

Pleiteamos, portanto, a supressão do artigo 471 do anteprojeto de novo Código Penal. 

10) A tipificação do terrorismo (art. 239) no PLS n.º 236/2012 se mostra problemática.

O termo “causar terror” é muito aberto: destruir um bem público pode configurar terrorismo (art. 239, § 3º, pena de 8 a 15 anos) ou dano qualificado (art. 163, § 1º, III, pena de 6 meses a 3 anos), o que irá depender do “terror” causado. E como definir a presença ou o nível de “terror” na população?

Pleiteamos, portanto, seja acatada a emenda do Exmo. Senador Cidinho Santos, protocolada no dia 26/09/2012 (fls. 771/788) referente a esse tipo penal. 

11) Embora mereça aplauso a iniciativa quanto aos temas polêmicos como homofobia, eutanásia e aborto, no que diz respeito a este último se estabeleceu que pode ele ser realizado até a décima segunda semana, desde queum médico ou psicólogo constatem que a mulher não oferece condições psicológicas de arcar com a maternidade.

Condicionar a legalidade do aborto a prévia autorização médica em nada resolve o seriíssimo problema de saúde pública causado pela ilegalidade do procedimento. Continuarão sendo criminalizadas as pessoas mais pobres, que não tem recursos financeiros para consultar um médico particular e dependem do precário e sobrecarregado sistema de saúde pública. Considerando o espaço de tempo limitado no qual seria permitida a interrupção da gravidez (12 semanas), sendo que a gestação em geral só é conhecida cerca de um mês após a concepção, presume-se que muitíssimas pessoas não conseguirão atendimento médico no prazo necessário para interromper a gravidez legalmente. Ou seja, continuarão recorrendo a métodos perigosos e clandestinos, continuarão prejudicando a saúde e até mesmo perdendo a vida e continuarão deixando de procurar atendimento médico em caso de complicações ou sendo maltratadas nos serviços de saúde quando o procurarem.

Além disso, condicionar a interrupção da gravidez a prévia autorização médica impede que informação e acesso a métodos simples e seguros de interrupção da gestação (como preparados com ervas, por exemplo) sejam divulgados para a população que deles mais necessita. Ou seja, o aborto de quem é pobre, adolescente, desesperada, continuará sendo crime. Também nos preocupa a expressão “arcar com a maternidade”, pois parece levar em conta apenas a criação do futuro filho ou filha, dando margem a que se impeça uma pessoa de interromper a gestação quando tiver condições de, por exemplo, oferecer a criança para criação por pais adotivos. Deve ser incluída também a palavra “gestação”, já que ninguém deve ser forçado a suportar contra sua vontade a gravidez e o parto, inclusive por serem condições que podem trazer graves riscos à saúde e até mesmo à vida. Da mesma forma, há que se pensar no estigma social imposto a quem leva a gravidez a termo, porém opta por não criar o filho ou filha.

Pleiteamos que não configure crime a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana, sendo suprimido o trecho legal que faz remissão a autorização médica para o procedimento. Caso tal trecho seja mantido pleiteamos a substituição da expressão “arcar com a maternidade” por “arcar com a gestação e/ou a maternidade”.

Esperamos, com esta humilde contribuição, ter colaborado para melhorar o PLS n.º 236/2012, um código de inestimável importância para a sociedade brasileira à medida que representa um mecanismo de garantia dos direitos fundamentais de todos os cidadãos e cidadãs do país, especialmente às vítimas e àqueles que estão sendo processados ou cumprindo pena.

Atenciosamente,



Åsa Dahlström Heuser


Presidente da Liga Humanista Secular do Brasil – LiHS

29 de Janeiro – Dia da Visibilidade Trans

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29 de Janeiro – Dia da Visibilidade Trans

O Dia da Visibilidade Trans surgiu em janeiro de 2004 por conta do lançamento da Campanha Nacional “Travesti e Respeito”, do Ministério da Saúde. Nesse dia 29, representantes da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) entraram no Congresso Nacional, em Brasília, para lançar nacionalmente a campanha.
Dessa iniciativa, as cinquenta e duas organizações afiliadas à ANTRA foram orientadas a sair às ruas para comemorar essa data em todo o país, para mostrar as suas caras e consequentemente reivindicar seus direitos.
Mas, quando se fala em visibilidade, o que se quer dizer com isso? Significa primariamente que travestis e transexuais continuam invisíveis do ponto de vista do respeito aos direitos e da dignidade tanto para o governo, quanto para a sociedade.
Infelizmente, há um sentimento generalizado de que toda vez que uma travesti ou uma mulher transexual aparecer na mídia, salvaguardando raras exceções, será para ridicularizá-las nos programas de humor que só o que fazem é reforçar o estereótipo e o preconceito de que elas são homens, invalidando suas identidades femininas ou como exibição em programas policialescos onde, geralmente, o apresentador fará o que a claque pede: transformará essa pessoa em peça de Jardim Zoológico ou Circo de Aberrações. Acostumada que está a sociedade a ver e associar travestis e transexuais ao mundo do crime, da farsa, do engano; e, tão logo, a jamais vê-las como vítimas, inclusive quando são elas as agredidas, estupradas ou assassinadas, nesse caso também a maioria dirá: “ah, mas era travesti, travesti é tudo puta mesmo! Tudo bandido!”, e todos consentirão com a cabeça embasados numa pretensa estatística universal que não dá direito de defesa à elas, de que transfobia é algo inexistente.
Aliás, o próprio termo “travesti” é frequentemente usado no masculino, e do mesmo modo a mídia prefere frisar o nome do RG dessas pessoas, como se o que elas pensam e a forma como preferem ser tratadas – no feminino: A travesti – não significasse nada, como se a língua devesse necessariamente ad eternum e ad nauseam ser utilizada para oprimir os sem voz. E como se o nome social fosse algo não importante, e o do RG fosse estritamente necessário para entendermos a matéria em questão.
Mas, se alguém se detiver um pouco sobre o tema, e pesquisar o que significa ser travesti ou transexual no Brasil; não dificilmente descobrirá que essas pessoas precisam ter de estar sempre preparadas para receber sopapos, tapas, cusparadas, xingamentos, deboches e descrenças de todas as partes. É como ser uma ilha, rodeada de violência por todos os lados.
De um modo geral, vemos o desrespeito, as diárias agressões e a incompreensão por parte dos pais e da família. Em muitos casos são expulsas de suas casas ou forçadas a isso dado o histórico de violência. Sem ter onde morar, acabam tantas vezes caindo nas garras das cafetinas e cafetões que lhes oferecem um lugar para dormir em troca de trabalho: entenda aqui a prostituição.
Durante a vida escolar, geralmente verifica-se o fenômeno da evasão, já que a maioria acaba por não aguentar as agressões diárias vindas não apenas dos demais alunos, mas também daqueles que deveriam protegê-las: professores e gestores escolares que insistem em afirmar que a identidade de gênero que elas dizem possuir é inválida, mentirosa, fantasiosa, negando-se a trata-las pelo nome social.
Sem escolaridade, tudo parece ficar extraordinariamente mais difícil quando o assunto é trabalho – que já é dificultado a qualquer uma, independente de estudo, pelo grande preconceito do empresariado que, de um modo geral, não quer em seu quadro de funcionários pessoas que a sociedade associa ao crime, ao errado, ao que se deve evitar.
Mesmo no serviço de saúde, também são pessoas desrespeitadas – ainda que nacionalmente o SUS indique que devam ser tratadas pelo nome social. Primeiro que há apenas 4 hospitais públicos em todo o país capazes de realizar a cirurgia de transgenitalização, onde pessoas transexuais esperam por anos pelo “privilégio” de que o governo as escolham para lhes devolver a dignidade roubada por um destino que lhes privou de ter um corpo ajustado de acordo com aquilo que necessitam e da forma como se enxergam. Endocrinologistas especializados nesse público também são raros (lembrando que hormônios são feitos pensando no corpo de pessoas não transexuais e, inclusive a bula dos mesmos não diz respeito às pessoas transexuais), o que força muitas dessas pessoas a se hormonizarem por conta própria, incorrendo em diversos riscos de saúde como tromboses e infartos. Mas, são os hormônios que também trazem uma melhor percepção e aceitabilidade do próprio corpo, ao transformá-lo de acordo com o gênero exercido socialmente.
Em que pese nesse quadro também as demandas por cirurgias de retirada de silicone industrial do corpo de travestis, que raramente são atendidas. Nesse caso, é importante frisar que o silicone industrial não é feito para uso humano, mas pelo seu baixo preço e pela capacidade que proporciona “modelando” o corpo da usuária de forma a ganhar as formas femininas necessárias, muitas acabam se submetendo a esse procedimento ilegal.
Também é preciso lembrar as mais de cem vítimas travestis e transexuais que morreram em função da transfobia generalizada por todo o país. Quem chorará pelas mortes delas? Mortas inclusive depois de mortas, já que a sociedade e os jornalistas continuam a trata-las pelo nome civil e pelo gênero masculino.
Inclusive, negar-lhes o gênero que exercem é corroborar a violência que sofrem ao serem expulsas de banheiros femininos, como se no masculino estivessem mais protegidas das agressões e estupros.
Dado esse panorama, fica agora esclarecido que nesse dia da visibilidade trans, o que se almeja é que esses cidadãos e cidadãs pagantes de impostos tenham suas necessidades respeitadas e conhecidas. E, que essa visibilidade se estenda para os demais dias do ano, já que ser travesti ou transexual é todo dia e, todo dia é dia de respeito e empatia pelo outro.
Texto e imagens por Daniela Andrade

Carta aberta ao senador Paulo Paim (PT/RS)

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A Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS), associação civil de direito privado, de caráter humanista secular, inscrita sob o CNPJ nº 10.376.530/0001-92, sem fins lucrativos, com sede na cidade de Porto Alegre/RS, na Rua Duque de Caxias, 837/702, Centro Histórico, cujo escopo consiste basicamente na busca de um “(...) Estado verdadeiramente laico, no qual as decisões políticas, administrativas, legislativas e judiciais não sejam influenciadas por doutrina ou dogmas religiosos, de uma forma que haja igualdade de oportunidades para a existência de todas as crenças e convicções no espaço e poder públicos” (art. 2º, inc. VI, do Estatuto), vem por meio desta manifestar sua posição em relação ao trâmite do PLC n.º 122/2006.
Em 17 de dezembro de 2012, foi veiculado na mídia que V. Exa. avocou para si a relatoria do Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006, que, dentre outros pontos, criminaliza a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero real ou presumida, sobretudo no que se refere ao preconceito ou discriminação contra gays, lébiscas, bissexuais, pessoas trans e intersex (LGBTI).
De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), que há três décadas realiza levantamento de crimes contra LGBTIs, se apurou, superando os índices dos anos anteriores, que houve em 2012 338 assassinatos com motivação homofóbica e transfóbica, direta ou indiretamente. Em julho de 2012, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República lançou um relatório sobre homofobia e transfobia no ano de 2011, segundo o qual foram denunciadas 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTIs, das quais 278 foram homicídios. Em ambos os levantamentos, a subnotificação é reconhecida como alarmante.
É certo que o PLC nº 122/2006 não trata de homicídios, mas se destes se fala é para comprovar o nível alarmante de violência que vulnerabiliza as pessoas LGBTIs.
Nem se diga que os 338 homicídios relatados não sejam homofóbicos e transfóbicos: alguns têm por motivação a homofobia ou transfobia direta (quando consiste na motivação central do crime) ou indireta (quando a homofobia e transfobia empurram LGBTIs para marginalidade social) – neste último caso, negá-lo seria negar que não existe racismo no fato de que, na faixa etária de 15 a 29 anos, homicídios entre os jovens negros no país são, proporcionalmente, duas vezes e meia maior do que entre os jovens brancos, conforme dados do “Mapa da violência 2012”.
A propósito do projeto, recentemente V. Exa. assim declarou:
Esse famoso projeto de combate ao preconceito contra a liberdade de orientação sexual. Eu avoquei a relatoria para mim e eu poderia lavar as mãos porque é mais fácil, pois e o projeto está há seis anos tramitando na Casa e não vota, não vota por quê? Porque os próprios relatores pedem para não votar porque iria cair, e foi assim que a própria senadora Marta Suplicy, em defesa da posição que ela defendia, pediu que não deixasse que votasse. E antes de sair da presidência da Comissão eu avoquei a relatoria e vamos tentar em 2013, dialogando com todos os setores e construindo uma redação que combata a homofobia, porque esse é o nosso objetivo, e eu acho que em 2013, da para fazer isso.
Data venia, esse pronunciamento apresenta algumas inconsistências.
Em primeiro lugar, não se votou por pura e simples possibilidade de ser posto em votação e não ser aprovado.
Há mais de 11 anos, quando fora proposto o projeto em análise, foram realizados inúmeros debates, audiências públicas, seminários e, após ouvir e sopesar as críticas, a ex-senadora Fátima Cleide elaborou a atual redação do projeto (Emenda nº 01 – CAS), aprovada novembro de 2009. Hoje, são apenas quatro artigos.
A questão é que desde 2006, vimos assistindo a uma campanha ardilosa, deturpando fatos e o próprio projeto de lei. A oposição bem se caracteriza como uma cruzada.
No front dessa cruzada, está a Frente Parlamentar Evangélica, que levianamente vem emperrando a votação do projeto. Uma frente cujos membros não só já fizeram chantagem no caso Palocci, ameaçando assinar pedido para que ele fosse chamado à CPI, como também são os mais mais ausentes, inexpressivos e processados, segundo dados da ONG Transparência Brasil.
A única “notabilidade” dessa frente é se opor aos direitos das pessoas LGBTs. Há propostas (absolutamente inconstitucionais) para restringir a união estável apenas para casais heteroafetivos, suspender, por meio de decreto legislativo (!!!) a decisão do STF sobre união estável para LGBTIs e, ainda, convocar plebiscitos para decidir a respeito dessa temática, proibir a adoção por casais LGBTIs, vedar as ações educativas estatais em apoio a minorias sexuais para combater o preconceito, discriminação e bullying escolar, vetar benefícios previdenciários a casais LGBTIs, legalizar a “cura gay” por psicólogos.
Dentre os líderes da frente evangélica, cabe aqui destacar o pastor e Senador Magno Malta. Em entrevista ao Portal IG declarou que a aprovação do projeto iria liberar a “pedofilia e a bestialidade” (aqui, no próprio site do senador e em vídeo). Noutra oportunidade declarou em tom de ameaça no próprio site: “Se o Projeto de Lei 122, que excita a criação de um terceiro sexo, for aprovado, com dignidade de cristão, renuncio do mandato de Senador da República”.
Não bastasse, assim que ficou vaga a relatoria do PLC n.º 122/2006, o senador Magno Malta declarou que V. Exa. barraria o projeto só por ser pai e sogro de pastores evangélicos, uma insinuação vergonhosa de promiscuidade entre vida pública e privada contra V. Exa.: “[...] o Paulo Paim é pai e sogro de pastores evangélicos e tem o compromisso conosco de não favorecer a aprovação deste projeto”.
O Deputado Garotinho, outra liderança dessa frente, eliminou o termo “homossexual” do elenco de circunstâncias agravantes do crime de homicídio numa minirreforma do Código Penal.
O nível é desse para baixo: acusações há de que se quer fazer propaganda de “opção sexual”, que se deseja instaurar no Brasil uma “ditadura gay” (o uso de termos como “gaystapo”, “gayzismo”, em alusão ao nazismo), que se quer destruir a sociedade brasileira, que se quer acabar com a liberdade de expressão, sobretudo de cristãos. Usa-se, ainda hoje, a controversa redação original do projeto, mesmo depois de sua revogação pela Emenda nº 01 – CAS.
O Pastor Malafaia, que se considera a “maior barreira que existe para aprovarem a lei que criminaliza a homofobia (e transfobia)”, assim se pronunciou em certa audiência pública promovida na CCJ em maio de 2010, onde se discutia o projeto de Estatuto das famílias: “Então vamos liberar relações com cachorro, vamos liberar com cadáveres, isso também não é um comportamento?”.
V. Exa. se compromete a dialogar “com todos os setores e construindo uma redação que combata a homofobia”.
A questão é que a ex-senadora Marta Suplicy já tentou, sem sucesso, estabelecer um diálogo com os então senadores Demóstenes Torres e com o Marcelo Crivella, da qual resultou um texto amplamente criticado pelo Movimento LGBTI, porque apenas alterava alguns dispositivos do Código Penal e não dizia absolutamente nada a respeito da Lei Caó, ou seja, se estabeleceu uma verdadeira e odiosa hierarquização de discriminações, como se LGBTIs não fossem tão ou mais vítimas de preconceito e discriminação que negros, religiosos.
Tentando solucionar o grande debate entre setores religiosos e os defensores da criminalização da homofobia e transfobia, a então Senadora Marta Suplicy propôs uma emenda falando em não punir a “manifestação pacífica de pensamento fundada na liberdade de consciência e de crença”; a emenda sequer chegou a ser oficialmente apresentada em razão das ferrenhas críticas do movimento LGBT e inclusive da comunidade religiosa. O rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista (CIP), foi brilhante:
A liberdade de expressão não pode ser absoluta. A liberdade de expressão pode entrar em choque com valores da sociedade. Mais uma vez esse conflito, que envolve padres, rabinos, pastores, xeiques. Se podem ou não falar sobre muitos assuntos, essa liberdade não pode ser ilimitada. É preciso tomar cuidado. Sermões e pregações contra homossexuais, judeus, nordestinos... É péssimo, é terrível. É um desafio velho: fomentar a liberdade de expressão e colocar limite. Acho prudente que a senadora repense a inclusão dessa emenda.
Como V. Exa. brilhantemente declarou, em nosso país “criou-se uma falsa polêmica entre liberdade de orientação sexual e liberdade religiosa. Isso não tem fundamento e não interessa a ninguém”.
Embora essa falsa polêmica interesse sim à frente parlamentar evangélica que barra todo e qualquer projeto legislativo que garanta direitos a LGBTIs, com efeito, sabe-se que, de um lado, a corrente tradicionalista de interpretação bíblica condena as práticas afetivo-sexuais de LGBTIs e, de outro, há uma corrente alternativa que entende não subsistir condenação às relações entre LGBTIs. Ao juiz não cabe dizer qual a interpretação correta, mas sim julgar se, no caso concreto, houve abuso no exercício da liberdade de expressão ou religiosa; pune-se o abuso do direito e não o uso legítimo dele. Tanto assim é que se, no púlpito de uma igreja, um líder endemoninhar religiões de matriz africana, poderá responder pelo art. 20 da Lei Caó. Da mesma forma, aprovado o PLC 122/2006, aos cristãos será permitido dizer que a condição de LGBTI se trata de uma “abominação”, “pecado”, que LGBTIs “não herdarão o reino dos céus”, mas nada na Bíblia leva a concluir pela identificação/comparação entre as relações de LGBTIs e a pedofilia, bestialidade, como tanto se faz, tal qual demonstrado nas várias declarações até aqui vistas.
A homofobia e transfobia já são criminalizadas em mais de 59 países, tais como Andorra, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, França, Noruega, Holanda, Portugal, Reino Unido, Suécia, África do Sul, Estados Unidos, Bolívia, Colômbia, Equador.
E não basta o PLC 122/2006 se também não forem aprovadas outras medidas para combater a homofobia e transfobia nas escolas (levantamento feito com base no questionário socioeconômico do Enem, entre 2004 e 2008, mostra um crescimento de 160% no número de vítimas de homofobia e transfobia no estado de São Paulo), que faz da condição LGBTI – mais precisamente, a discriminação e preconceito contra essa condição – um fator de risco para o alto índice de suicídios entre jovens entre 15 e 29 anos, das expulsões de seus próprios lares, de estabelecimentos comerciais, agressões físicas, violência psicológica, assassinatos brutais.
O Brasil precisa aprovar o PLC nº 122/2006 caso queira promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, orientação sexual, identidade de gênero e quaisquer outras formas de discriminação para que possamos construir uma sociedade construir uma sociedade livre, justa e solidária. É o que determina nossa Constituição.
Esperamos, confiantes na sua histórica atuação em defesa dos direitos e liberdades fundamentais dos grupos sociais vulneráveis, empenho na aprovação do PLC nº 122/2006 na forma da Emenda nº 01 – CAS.

Representação no MRE sobre passaportes diplomáticos

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A LiHS vem a público informar que protocolamos em 15 de fevereiro do corrente ano (conforme se pode ver abaixo e neste pdf) uma representação no Ministério das Relações Exteriores (MRE) contra a expedição de passaportes diplomáticos para líderes religiosos.

A entidade entende que essa concessão para líderes religiosos fere princípios jurídicos sensíveis em nossa democracia e representa uma afronta à sociedade brasileira e à Constituição de 1988.

Como se sabe, foi noticiado pela mídia a concessão de passaportes diplomáticos ao Apóstolo Valdemiro Santiago de Oliveira, à Bispa Franciléia de Castro Gomes de Oliveira, ao missionário Romildo Ribeiro Soares (mais conhecido como R. R. Soares) e sua cônjuge Maria Magdalena Bezerra Soares, e ao Cardeal Geraldo Majella Agnelo. De acordo com informações do próprio MRE, essa concessão de passaportes se deu em “caráter de excepcionalidade” e para manutenção das atividades de suas igrejas no exterior, sem dar quaisquer outros detalhes.

Nossos argumentos se centram em 03 tópicos, que a seguir apresentaremos de forma resumida:

1) Não foi atendido o critério de “interesses do país”

O Decreto nº 5.978/2006 exige que a concessão excepcional desse tipo de passaporte seja dada em função de interesse do país. No pedido de concessão do passaporte especial, o requerente deve demonstrar que está desempenhando ou irá desempenhar “missão ou atividade continuada de especial interesse do país, para cujo exercício necessite da proteção adicional representada pelo passaporte diplomático”, conforme a Portaria n.º 98 do MRE.

É de conhecimento de todos que as igrejas chefiadas por esses líderes têm inúmeros templos no exterior e, por maiores que sejam os benefícios sociais das atividades religiosas para o bem estar das pessoas, em ações beneficentes em prol dos menos abastados, não se enxerga em quê tais atividades, promovidas por essas igrejas, entrem no conceito de “interesse do país”.

O Estado brasileiro não possui, em absoluto, nenhum interesse em manutenção de atividades de igrejas no território nacional ou fora dele. Os critérios legais não foram atendidos, o que configura desvio de finalidade.

“Ide por todo o mundo, pregai o evangelho” não consta como objetivo da Constituição da República.

Poder-se-ia falar nas atividades sociais desenvolvidas por essas igrejas, importantes sem duvida, contudo quantos milhares de ONGs, institutos, pesquisadores, associações, ligas, também promovem relevantes atividades de emancipação social, de cidadania, de promoção e defesa de Direitos Humanos e, ainda assim, não gozam do benefício do passaporte diplomático? A rigor, levada às últimas consequências, o passaporte diplomático deveria ser concedido aos representantes de todas essas entidades e pessoas elencadas, o que, no plano prático, banalizaria o uso desse documento, o que, por certo, desvirtua sua finalidade.

2) Violação do princípio da igualdade

Todos são iguais perante a lei (igualdade formal), mas pode existir tratamento diferenciado se houver justificativa lógico-racional para tanto (igualdade material).

O passaporte diplomático, em regra, é concedido às autoridades elencadas no Decreto nº 5.978/2006 tais como Presidente da República, Ministros de Estado, funcionários da carreira de Diplomata, parlamentares do Congresso Nacional, dentre outras. Nesses casos, está justificado o uso desse passaporte especial.

Contudo, para esses líderes religiosos a concessão desse ´passaporte é excepcional, daí a pergunta: qual o motivo lógico-racional que justifica esses passaportes para eles se o mesmo não ocorre com relação aos demais cidadãos, religiões, ONGs? Não há, o que também fere a moralidade administrativa.

Nem se fale em “histórica tradição cristã” ou que a maioria do povo brasileiro é cristão (argumentos sempre levantados quando se tomam medidas em prol da laicidade nesse país), mas nem um, nem outro ou os dois justificam, por exemplo, que tais passaportes não sejam concedidos a líderes de outras crenças e até mesmo para figuras ateias, agnósticas e céticas notórias.

Entretanto nem assim a igualdade estaria respeitada, pois o critério é “interesse do país”. Afinal, como já se disse, há inúmeras entidades (ONGs) e pessoas físicas (pesquisadores, profissionais) que também promovem relevantes atividades de emancipação social, de cidadania, de promoção e defesa de Direitos Humanos e que, ainda assim, não têm passaporte diplomático.

3) Violação da laicidade estatal

Pelo que já se expôs até aqui, não fica difícil imaginar que a laicidade também foi desrespeitada, afinal, como sabemos, a maior parte dessas atividades, se não todas, são palcos de pregações religiosas, com realização de cultos etc. para conversão de quem delas participam.

De forma sub-reptícia, o Estado brasileiro está financiando (subvencionando) cultos, celebrações religiosas, o que é expressamente proibido pelo art. 19, inciso I da Constituição de 1988.

Nos pedidos, solicitamos: a) a cassação dos passaportes diplomáticos de líderes religiosos; b) a disponibilização da lista e respectivos pedidos, em curso, deferidos ou indeferidos, de todas as autoridades religiosas solicitando passaporte diplomático; c) a disponibilização de eventual concordata firmada entre a Santa Sé e o Brasil para concessão de passaportes diplomáticos para clérigos católicos (caso em que a concessão estaria justificada, pois a Santa Sé é um Estado).

No atual quadro político de forte influência religiosa da bancada evangélica no Executivo e Legislativo, isso só confirma o risco da instauração de uma teocracia no Brasil, contra a qual a LiHS vem lutando desde sua criação, para que possamos construir uma sociedade livre, justa e fraterna.

Nota oficial do Conselho Jurídico Da LiHS


Câmara dos Deputados dá mais um sinal de anacronismo político e social

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Câmara dos Deputados dá mais um sinal de anacronismo político e social


Pr. Marco Feliciano, deputado que vai presidir a comissão de Direitos Humanos da Câmara


Nesta terça-feira (05/03/13), o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) foi indicado pelo seu partido para presidir a comissão de Direitos Humanos da Câmara durante o biênio 2013-2015. O deputado é pastor da igreja Assembleia de Deus há nove anos e é conhecido por declarações que estimulam o preconceito contra religiões afro-brasileiras, contra as pessoas LGBT e contra o próprio continente africano. Veja o vídeo abaixo.


O jornal O Globo cita uma das frases prediletas de Feliciano:


“O problema não é a comunidade gay. Eu tenho amigos que são e são pessoas completamente equilibradas. O problema são os ativistas. Eles fazem o que já fizeram comigo, que é tentar destruir a minha imagem e falar pra sociedade que você é uma coisa e que não é.”


Não é difícil entender o ressentimento de Feliciano contra o ativismo LGBT: pastores que acreditam em “reversão” da homossexualidade (ou coisas semelhantes) geralmente adoram homossexuais enrustidos ou que buscam “adequação” às regras heteronormativas dessas igrejas.  Eles odeiam os homossexuais que não se sentem menores do que ninguém em função de sua sexodiversidade. Mais do que isso, esses homossexuais reivindicam direitos iguais. Isso, gente como Feliciano não suporta. Ele segue a a mesma linha de Silas Malafaia e Marisa Lobo. Aliás, essas pessoas beberam da mesma fonte: pregadores homofóbicos americanos, tais como James Dobson, do ministério Focus on the Family, líderes de movimentos como a Exodus International e alguns grupos de “reversão” aqui do Brasil, os quais também beberam das mesmas fontes extremistas que eles, como foi o caso do MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia) e outros.


Mas a declaração de Feliciano oculta outro engodo, seja consciente ou inconscientemente: o de que existe UM movimento gay. Isso não é verdade. Existem diversos movimentos sob a bandeira do arco-íris. Basta notar que muita mobilização contra a homofobia tem sido feita por pessoas comuns nas redes sociais, em grupos de amigos com os mesmos objetivos e por aí vai.


Além disso, ele fala como se considerasse a relação homoafetiva muito natural, mas isso não é verdade. Ele chega a chamar a relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo de "fazer suas porcarias", como você poderá assistir no vídeo abaixo.

Enquanto isso, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) lança uma nova cartilha sobre orientação sexual e identidade de gênero no direito internacional dos direitos humanos, conforme noticiado pela Rede Brasil.


Trata-se de um livro de 60 páginas cujo objetivo é ajudar os Estados a compreender melhor as suas obrigações e os passos que devem seguir para cumprir os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), bem como para os ativistas da sociedade civil que querem que seus governos sejam responsabilizados por violações de direitos humanos internacionais.


Iniciativas como essa da ONU só expõem, com ainda mais clareza, o quanto o Legislativo brasileiro está na contramão da história. Felizmente, nosso Judiciário tem avançado, mas isso também incomoda pessoas como o deputado Marco Feliciano, que não deve estar celebrando nem um pouco o fato de que pessoas do mesmo sexo não apenas podem firmar união estável no país inteiro, como ainda podem se casar direto no cartório em seis estados brasileiros e no Distrito Federal. São eles: São Paulo, Piauí, Alagoas, Sergipe, Bahia e Espírito Santo.



Vídeo produzido por Sergio Viula para o Blog Fora do Armário e cedido para essa nota


O Conselho LGBT da Liga Humanista do Brasil vem a público manifestar sua preocupação com o rumo que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara pode tomar daqui para frente. Conclamamos os cidadãos esclarecidos a que se posicionem humanisticamente contra toda forma de preconceito, especialmente a homofobia (incluindo a lesbofobia e a transfobia), o machismo, a xenofobia e a demonização dos seguidores de religiões afro-brasileiras. Que pressionem deputados, senadores e outros representantes eleitos para que se oponham ao avanço do fundamentalismo religioso na esfera pública e que defendam o Estado laico, democrático, pluralista e de direito. 

Além disso, que nossa mobilização inclua a desconstrução de preconceitos, bem como a recusa em reproduzir qualquer conteúdo que estimule discriminação por raça, sexo, gênero, orientação sexual, afiliação religiosa, etc. 

Multiplicar conhecimentos verdadeiros e estimular o humanismo irrestrito são o melhor antídoto contra os os discursos obscurantistas que alimentam o ódio e o totalitarismo. 


Sergio Viula

Presidente do Conselho LGBT da LiHS

Descumprimento de retirada de crucifixos do TJ-RS

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Exmº Sr Dr Corregedor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul/RS

A Liga Humanista Secular do Brasil, associação civil de direito privado sem fins lucrativos, de caráter humanista secular, Porto Alegre/RS, neste ato representada por sua Vice Presidente, Åsa Dalstrom Heuser, vem perante V. EXA. dizer e requerer o que segue:

1. O Conselho da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul, em março de 2012, no processo nº 0139-11/000348-0, determinou a retirada dos crucifixos e outros símbolos religiosos existentes nos espaços destinados ao público nos prédios do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul.

2. Ocorre que, contrariando tal decisão, a 4a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS continua a manter crucifixos em suas dependências, conforme fotos abaixo, fato que deve ser coibido, sob pena de desatendimento de decisão judicisal.

Diante do exposto, requer a V. EXA. que seja determinada a retirada dos crucifixos daquele local.

Termos em que,
Pede Deferimento

Liga Humanista Secular do Brasil
Åsa Dalhstrom Heuser


Reproduzimos aqui a notícia do Forum Gaúcho em Defesa das Liberdades Laicas

Descumprimento de Sentença do TJ-RS

Cumprindo tarefa designada pelo Forum Gaúcho em Defesa das Liberdades Laicas do RS (FGDLL), a LiHS - Liga Humanista Secular protocolou hoje na Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado requerimento que visa a imediata retirada de um crucifixo que ainda permanece na Secretraia da 4a. Câmara Criminal em desrespeito à sentença proferida pelo Conselho da Magistratura, em decisão unânime que, há cerca de um ano, determinou a retirada de todos os símbolos religiosos das áreas públicas do TJ-RS.




O pedido foi protocolado depois que o FGDLL recebeu denúncia da violação via e-mail acompanha de fotos que comprovavam a denúncia.

Esperamos a ação diligente da corregedoria e a garantia da decisão história tomada no RS.

Ao mesmo tempo, continuamos trabalhando para que decisões no mesmo sentido sejam tomadas no Executivo e nos Legislativos Municipal e Estadual.
  
Cópia digital do documento protocolado neste dia 5 de março:

 ProtocoloCorregedoria 

Confira também a decisão (unânime) que determinou a retirada de símbolos religiosos do judiciário do RS:
PROC. Nº 0139-11/000348-0 - PORTO ALEGRE. RETIRADA DE CRUCIFIXOS E SÍMBOLOS DAS DEPENDÊNCIAS DO TJRS. REDE FEMINISTA DE SAÚDE, SOMOS -COMUNICAÇÃO, SAÚDE E SEXUALIDADE, NUANCES -GRUPO PELA LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL, LIGA BRASILEIRA DE LÉSBICAS (ADV(S) BERNARDO DALL?OLMO DE AMORIM), MARCHA MUNDIAL DE MULHERES, THEMIS - ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDOS DE GÊNERO, INTERESSADOS. DECISÃO: ?ACOLHERAM OPLEITO DE RETIRADA DE CRUCIFIXOS E OUTROS SÍMBOLOS RELIGIOSOS EVENTUALMENTE EXISTENTESNOS ESPAÇOS DESTINADOS AO PÚBLICO NOS PRÉDIOS DO PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO SUL.UNÂNIME.?
Conselho Jurídico da LiHS

O que é Femen?

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O envolvimento da líder do Femen Brasil com grupos e ideologias neonazistas, fascistas e integralistas vem sendo alvo de críticas há mais de um ano. Em seguida, polêmicas surgiram com relação na França, Rússia, Ucrânia, Alemanha e Turquia, onde alegam que o grupo faz protestos racistas, islamofóbicos, xenófobos e ocasionalmente faz protestos patrocinados por empresas privadas. 

Feministas de todo o mundo questionam o método de seleção excludente do grupo, que seleciona através de fotos e parece preferir ativistas jovens e magras, com padrões semelhantes aos de modelos. Algumas pessoas acusam o grupo de ter colocado a vida de candidatas muçulmanas em perigo, já que as obrigam a tirar uma foto sem roupa e postar nas redes sociais, independentemente dos riscos envolvidos em sua localidade. Outras polêmicas envolvem o financiamento do grupo, supostamente por alguns milionários desconhecidos, a derrubada de uma cruz que homenageava vítimas ucranianas do regime soviético. Na última semana, uma outra polêmica envolvendo o grupo veio à tona: a página britânica do Femen é administrada por um homem que assumidamente faz parte da EDL (English Defence League), grupo radical considerado islamofóbico, racista e xenofóbico, que protesta contra imigração, integração de pessoas de origem islâmica e se posiciona a favor de guerras contra países islâmicos. O indivíduo também assume suas ligações com outros grupos e partidos de ideologias separatistas e fascistas.


Na imagem acima, texto à esquerda, David Jones (que usa o símbolo da EDL como seu avatar) diz:
"Curtam e compartilhem nossa página para que tenhamos mais apoio"

No texto à direita, David Jones diz:
"Parece que o nosso próprio povo está contra nós agora. Acabei de ser banido de uma encenação anglo-saxônica por causa da minha afiliação na EDL. Eles alegam que sou um nazista e um extremista só por gostar da EDL"

Abaixo, ele diz:
"A English Defence League é um movimento de protesto do Reino Unido, que protesta contra o extremismo islâmico"

Mais abaixo, diz:
"Devo lembrá-los que os nazistas eram socialistas (de esquerda) (sic) e que a EDL apoia os judeus. Essas pessoas são apenas idiotas que e estão cegas para a ameaça que o Islã representa ao mundo ocidental".

Femen: Revelando o Sextremismo Ucraniano

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Ativista do Femen protesta pela “Topless Jihad”

(Texto gentilmente cedido por Letícia Oliveira do FEMENPUTECIDXS)

Por Letícia Oliveira

Em meados de março de 2013, a ativista tunisiana do Femen Amina Tyler (nome fictício) ficou conhecida mundialmente por escrever em seu peito nu as frases “Foda-se sua moral” e “Meu corpo me pertence e não é motivo de honra para ninguém” e ter sido publicamente sancionada por um religioso salafista que disse que ela merecia ser apedrejada até a morte segundo as leis islâmicas. Após o ocorrido, sua família a enclausurou em um lugar desconhecido pelas outras ativistas do grupo, o que as fez chamar por uma campanha de libertação da tunisiana, que segundo o Femen, corria risco de morte. Uma das ações pela libertação de Amina foi chamada de “Dia do Topless Jihad”, onde as ativistas de várias partes do mundo foram a embaixadas e mesquitas protestar contra a “islamização” e conclamar as mulheres muçulmanas a se libertarem do véu.

O grupo sextremista ucraniano foi muito criticado por sua postura neocolonialista e acusado de suprimir as vozes nativas de mulheres não ocidentais. Ocorreu uma reação imediata de mulheres muçulmanas dizendo que não precisavam ser salvas, o “Muslim Women Against Femen”, ao que uma das líderes do Femen, Inna Shevchenko prontamente respondeu, dizendo “preferir falar com mulheres, mesmo que atrás delas tivesse um homem com uma faca”.

A agressão e opressão perpetradas a Amina Tyler por sua família dentro de sua casa são, infelizmente, uma história comum dentre os relatos de violência contra mulheres no mundo todo. Drogar, bater e manter mulheres em cárcere privado – homossexuais e transexuais também costumam sofrer esse tipo de ataques – é uma das estratégias mais violentas contra a liberdade das mulheres, e mesmo as pessoas que não sofreram esse tipo de abuso tem alguma história parecida para relatar, inclusive envolvendo intolerância religiosa. Mas o que o Femen fez foi usar o caso Amina para justificar sua agenda islamofóbica e de viés colonialista e imperialista.

O discurso de “libertar” mulheres da opressão do véu é antigo e ainda é muito usado para justificar guerras e invasões de cunho neocolonialistas. Livrar as mulheres da opressão do Taliban foi uma das muitas justificativas dadas por George W. Bush para a invasão do Afeganistão, uma guerra que vem sistematicamente matando mulheres e crianças em nome de uma suposta liberdade.


















Mulheres nigerianas protestam contra ataque de gangues em suas comunidades

Segundo Zeinab Khalil no artigo “Ponto de vista: a crítica ao Femen”, durante o período em que a Argelia foi colônia da França, era muito comum que mulheres francesas fizessem “cerimônias de desvelo” para as mulheres argelinas sob gritos de “viva a Argelia francesa”. Na visão dos colonizadores, tirar o véu era uma forma de “civilizar” e libertar os nativos do país.

Apesar de o Femen acreditar ter patenteado o topless como forma de protesto, ele é recorrente na história da luta pelos direitos das mulheres. Há relatos de protestos com uso de nudez em vários países do continente africano durante todo o sec XX, por exemplo.


Femen e Feminismo na Ucrânia

O Femen surgiu na esteira da Revolução Laranja ucraniana. A princípio, era um grupo de universitárias voltado especificamente para denunciar o impacto negativo que o turismo sexual e a prostituição tem na Ucrânia e seus protestos eram provocativos e teatrais, e a decisão de usar o topless foi bem posterior à criação do grupo. Segundo a ativista Inna Shevchenko, o grupo foi criado a partir do momento em que ela e algumas amigas viram que a revolução havia falhado:


Nosso primeiro protesto em topless foi uma manifestação política. Nós não imaginamos que continuaríamos fazendo topless após isso. Eu fui contra fazer topless por muito tempo, não podia aceitar. Mas nós não aguentávamos mais a situação. Então decidimos fazer algo realmente radical. Como não estávamos preparadas para pegar em armas, dissemos a nós mesmas: Ok, nossas armas são estas. Elas estão sempre conosco. Nós transformaremos isto (seios) em armas e os assustaremos. No dia seguinte nos demos conta de que pela primeira vez na história da Ucrânia independente feministas haviam protestado! Nós conseguimos a atenção das pessoas ao redor do globo. Nós percebemos que sim, poderia funcionar.

De acordo com a Wikipedia, o primeiro protesto topless do Femen ocorreu em agosto de 2009. Segundo o artigo “Feminismo na Ucrânia Contemporânea: da alergia à ultima esperança” da historiadora e especialista em estudos feministas, gênero, história oral e antropologia feminina do Instituto de Etnologia de Lviv, Oksana Kis, no 8 de março do mesmo ano havia ocorrido o primeiro grande protesto organizado por grupos de lutas pelos direitos das mulheres em comemoração ao dia internacional das mulheres nas maiores cidades ucranianas.


O fato de o grupo atestar que é pioneiro em feminismo e protestos é só uma das muitas declarações problemáticas que o Femen deu em relação ao feminismo ucraniano. Para Kis, a retomada tanto do feminismo acadêmico quanto do ativismo feminista ucraniano se deu no começo dos anos 90, após a independência do país. Ela relata que à época as organizações feministas ucranianas decidiram seguir o caminho da cooperação situacional em lugar do confronto com as autoridades por se tratar de um movimento relativamente novo e ainda enfraquecido.

Segundo estatísticas publicadas em artigo do Le Monde, as ucranianas recebem um salário até 70% menor que os homens do país, e cerca de 73% da população acredita que o homem deve ser o mantenedor do lar. Para a socióloga especialista em estudos de gênero da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Tamara Martesnyuk, o maior êxito do Femen é a visibilidade. Para ela, os métodos do grupo são inéditos em um país onde a imobilidade é histórica. Mas ela vê problemas na falta de foco do grupo: “Ao se manifestarem contra tudo e sem se importar contra o quê, as ativistas do Femen se apoderam de discursos que não estão diretamente relacionados aos direitos das mulheres. Suas denuncias a respeito da prostituição e da discriminação de gênero acabam se perdendo dentro desta agitação desordenada. Fica difícil, neste caso, distinguir a mensagem e o propósito real”.

A professora do departamento de historia e teoria da sociologia da Universidad Nacional de Lviv, Tetyana Bureychak, chama a atenção para o fato de que, apesar do choque inicial com o topless, as pessoas não se atêm à mensagem do grupo, que não logrou nenhuma mudança de fato no país. e assim a sociedade ucraniana permanece não se importando com questões de gênero

Faz se notar também o fato de que muitos grupos e feministas ucranianas alegam afalta de abertura do Femen ao diálogo com outros coletivos e ONGs de luta pelos direitos das mulheres, apesar de várias tentativas. Uma alegação também feita por grupos e feministas brasileiras desde a chegada do movimento por aqui. Além disso, as declarações do Femen a respeito da ideologia do grupo são bastante confusas. Muitas vezes a organização tentou se distanciar do feminismo, como atestou Anna Hutsol quando perguntada em 2011 se o Femen era um grupo feminista:


Não. Nós usamos o erotismo em nossas abordagens e na forma como nos vestimos. Isso não é permitido pelo feminismo.

O novo feminismo (traduzido equivocadamente como neofeminismo pela representante brasileira da organização) seria uma “nova onda do feminismo” criada pelo grupo, que seria nada mais que “juntar o movimento pelos direitos das mulheres à uma visão pós moderna da mídia, política e a manipulação do público masculino”.


São também conhecidas as declarações que o grupo dá sobre o feminismo “clássico”. Segundo Inna Shevchenko, “O feminismo clássico já morreu, não funciona mais. Ele só existe nos velhos livros e as vezes nas salas de conferências”.


Racismo e xenophobia



















“Hitler is alive”, protesto contra a indústria do sexo em Hamburgo, Alemanha jun/2012

A xenofobia da europa ocidental contra o leste europeu não se justifica em “graus de brancura” como disse Agata Pyzik no artigo “Branco nem sempre significa privilégio“, mas sim por uma crise econômica que elevou o grau de xenofobia em toda a europa, especialmente contra ciganos e muçulmanos de qualquer etnia. Sabe-se que este preconceito em relação aos países do leste sempre existiu na europa e foi inclusive trazido para o Brasil com os movimentos migratórios europeus – “polaca”, por exemplo, foi sinônimo de prostituta por muito tempo no Brasil, e o tanto “polaco” quanto “polaca” ainda são considerados termos pejorativos para poloneses e descendentes aqui no país. Reconhecer que há privilégios em ser branco não quer dizer que não haja preconceito xenófobo e étnico contra as populações brancas do leste europeu, mas dizer que isso se deve a um certo grau de diferenciação na “brancura” é uma falsa simetria.


Também não é o caso de minimizar a opressão sofrida pelas mulheres no contexto pós soviético, mas relatando uma crítica feita ao movimento assim que ele chegou ao Brasil, se é verdade que mulheres sofrem opressão diariamente no mundo todo, a realidade brasileira é diferente da realidade ucraniana, e não existe uma preocupação do movimento em adaptar seu discurso às realidades locais, deixando de apoiar lutas históricas dos movimentos feministas locais para se focar somente na agenda do grupo.

Não podemos fechar os olhos para a xenofobia e o racismo que tem se mostrado frequente nos países do antigo bloco soviético, em especial Rússia e Ucrânia. E é neste contexto que o Femen usa de sua suposta luta pelos direitos das mulheres como desculpa para manifestações de ódio. Os exemplos variam desde citações como a dada pela líder e fundadora Anna Hutsol “Como sociedade, não fomos capazes de mudar nossa mentalidade árabe em relação às mulheres”, quanto manifestações abertas de antisemitismo, xenofobia, racismo e até flertes com o neonazismo – além da islamofobia tão propagada pelo movimento nos últimos tempos.

O movimento sempre teve uma conotação claramente nacionalista. O primeiro manifesto do Femen dizia, entre outras coisas, que o objetivo do grupo era “construir uma imagem nacional de feminilidade, maternidade e beleza baseadas na experiência dos movimentos das mulheres euro atlânticas”. Ela está aparente na escolha da coroa de flores, ou vinok, símbolo da pureza das virgens, e no uso das cores da bandeira Ucraniana, além do discurso de “desenvolver as qualidades morais, intelectuais e lideranças das mulheres ucranianas”, e do claro conteúdo xenófobo de algumas de suas manifestações.


Se na França o Femen atraiu prioritariamente uma parte da esquerda que é declaradamente islamofóbica, na Alemanha o influxo de mulheres conservadoras ao movimento se traduz na adesão de membros do partido CDU e da União Jovem Conservadora do país, que reúne os partidos conservadores católicos da Alemanha e tem uma agenda que advoga contra os direitos reprodutivos das mulheres.


Em uma de suas primeiras grandes manifestações na Alemanha, ocorrida no dia 25 de janeiro de 2013 na Rua Herbert, conhecido ponto de prostituição de Hamburgo, o grupo fez uso de simbolismo nazista para protestar contra a indústria pornográfica dizendo serem a prostituição e a indústria do sexo análogas.Para isso, usaram como mote o conhecido slogan “Arbeit macht frei” (o trabalho liberta), muito usado nas entradas dos campos de concentração na Alemanha nazista, e trocaram a letra “x” na palavra “sex” (em sex industry is fascism) por uma suástica.


Em carta aberta ao Femen Germany, o grupo libertário feminista alemão e*vibes lembrou  que não só o protesto teve lugar em uma data muito próxima ao dia internacional de lembrança do holocausto, além de lembrar-lhes que o uso de símbolos e slogans nazistas fora de um contexto histórico são considerados como discurso de ódio na Alemanha, e portanto ilegais. Também em uma carta de resignação, a ex ativista do Femen Germany, Freya Victoria, lembrou que as prostitutas foram perseguidas pelo governo nazista por serem consideradas indivíduos “anti sociais” assim como judeus, homossexuais, ciganos e todos os que foram perseguidos pelo nacional socialismo.


Outras ligações conhecidas do Femen com pessoas e movimentos de cunho nacionalista e de extrema direita já foram relatadas. No Brasil, a líder Sara Winter foi e ainda é denunciada por manter ligações com a extrema direita nacionalista, e na Inglaterra, descobriu-se recentemente que o responsável pela manutenção da página do Facebook do Femen UK seria um homem que se apresenta como David Jones e é membro da English Defence League, uma associação de extrema direita que usa de violência contra imigrantes,especialmente contra muçulmanos, na Inglaterra.


Mas as manifestações de ódio mais contundentes foram produzidas pelo próprio Femen UA (ou International). Segundo o site indymedia.de, em setembro de 2009 o Femen mandou uma carta ao Serviço de Inteligência da Ucrânia (SUB) pedindo para que medidas fossem tomadas contra a peregrinação anual dos judeus hassídicos albaneses à cidade ucraniana de Uman durante a páscoa judaica. A carta dizia que “a afluência de representantes do judaísmo ortodoxo que possuem padrões culturais e comportamentais específicos trazem alguns perigos…” “os peregrinos demonstram total desrespeito às tradições locais”, “qualquer tentativa de ataque à nossa cultura deve ser suprimida” e o que seria a verdadeira razão do pedido “as evidências frequentes de assédio, coerção e até mesmo estupro de ucranianas pelos judeus hassídicos não são levadas a público e esmiuçadas em prol de uma pseudo tolerância religiosa”.


Ainda segundo o mesmo artigo, em 25 de agosto de 2010 o Femen mandou uma carta para a prefeitura da cidade ucraniana de Lviv, às vésperas da partida pela Europa League onde o time local Karpaty-Lviv enfrentaria o time turco Galatasaray. A carta conclamava a prefeitura a banir os fãs do time turco da cidade e incentivando os torcedores do Karpaty “a apoiar nosa iniciativa e não deixar os ‘machos turcos’ bancarem os chefes pela capital cultural da Ucrânia.” A torcida do Karpaty-Lviv é conhecida por suas expressões de racismo e fascismo dentro e fora de campo, e o time foi condenado pela UEFA a pagar uma multa de 25 mil euros por manifestações de cunho nazista durante esta mesma partida contra o Galatasaray.


De onde vem o dinheiro do Femen?



















O financiamento do Femen é algo que levanta muitas questões desde sempre, como pode ser visto inclusive no antigo site do grupo. O que se sabe ao certo é que no ano de 2010 as ativistas declararam em entrevista ter um aporte mensal entre 600 e 700 euros, todos provindos de doação. O milionário estadunidense Jed Sunden, que à época era dono do conglomerado KP Media, editor do Kyiv Post, maior jornal de língua inglesa da Ucrânia (no qual Anna Hutsol era colaboradora) contribuía com 200 euros, e o milionário alemão Helmut Geier, mais conhecido como DJ Hell, contribuía com 400 euros. O resto do montante provinha das doações feitas ao grupo por apoiadores anônimos.
Não é segredo para ninguém que Jed Sunden realmente financiou o Femen por muitos anos. Ele próprio admitiu algumas vezes apesar de não dizer o valor de tal contribuição.

Mas em recente comunicado ao site de centro direita italiano Il Foglio, assinado por sua assistente Valeriya Kirchanova, Jed Sunden disse que não financia mais o Femen desde 2011. Disse ainda que as financiou desde o começo por acreditar na luta contra o turismo sexual, mas que a partir do momento que elas estenderam seu campo de ação e passaram a criticar religiões, política e a Eurocopa de 2012 elas perderam o foco. O comunicado foi enviado em resposta a uma matéria do diário, que reproduziu uma notícia de 2012 que diz que uma jornalista do canal ucraniano 1 + 1 se infiltrou no Femen e denunciou que o grupo tinha um orçamento mensal de 2500 euros, sendo Jed Sunden um de seus maiores financiadores, de acordo com a matéria original do canal ucraniano.


Segundo as ativistas, suas únicas fontes de renda são os produtos vendidos em sua loja virtual e as doações feitas às suas contas. Os produtos são caros: para ter uma impressão dos seios de uma ativista (boobprint) o incauto apoiador terá que desembolsar 70 euros. Também é comum venderem camisetas feitas à mão por ativistas, ou previamente usadas por alguma delas, por 100 euros.


No Brasil, a representante do grupo, Sara Winter, receberia um salário de 400 dólares da matriz, segundo matéria da ESPN Brasil. Apesar de ter negado primeiro, Sara confirmou ter recebido o tal salário, mas “apenas algumas vezes” e de acordo com a própria, o Femen internacional não manda mais dinheiro para a franquia brasileira.


Além disso, há as acusações de venda de protestos. Uma delas foi provada real e aconteceu no dia 8 de março de 2012 na Turquia, quando o grupo viajou ao país patrocinado pela marca de lingerie Suwen International. De acordo com a mídia local turca, o Femen assinou um contrato com a empresa para divulgar a companhia. Para a fundadora do coletivo, Anna Hutsol, “a marca procura oferecer lingerie saudável para as mulheres, e é por isso que o Femen visitará a loja da Suwen Internacional, já que considera a marca uma aliada.” Além disso, a Suwen também desenvolveu umalinha de lingeries com o nome “Femen”. O protesto, que se deu em frente à catedral Hagia Sophia, onde as participantes usaram produtos da marca e fizeram uma sessão de fotos prévia divulgando o nome da Suwen, resultou na deportação das ucranianas.

Dadas as declarações prévias de algumas integrantes do grupo, o que se vê é que o Femen não tem medo de usar a exposição de suas ativistas em meios de comunicação como forma de angariar fundos. No artigo “Two Bad Words: Femen & Feminism in Ukraine” da Jessica Zychowicz, vemos a seguinte citação atribuida à Anna Hutsol [1]:

Eu acho que se você pode vender biscoitos desta forma (através do apelo às massas) por que não usar dos mesmos métodos para chamar a atenção para problemas sociais?

Em entrevista à revista austríaca Falter, Inna e Sasha Shevchenko responderam que não viam nenhum problema em posar nuas para a Playboy. Nas palavras de Inna: “Mulheres nuas já estampam a capa da Playboy. Se nossos protestos chegassem às capas seria um grande sucesso, pois significaria que os homens aceitam a luta feminina”.

A exposição do corpo como “arma de guerra”
Uma das várias críticas feitas ao Femen é que todas as suas ativistas de topless não fogem de um padrão de beleza eurocêntrica. São todas mulheres jovens, magras, brancas e loiras, de preferência. Quando questionadas a respeito do porque seguir esse padrão excludente, as líderes do movimento dão respostas no mínimo curiosas.
Na página do facebook do Femen France, vemos uma foto de duas ativistas que, segundo o Femen, estariam fora do padrão e seriam uma resposta às cobranças. Segundo a página, as garotas que mais aparecem nas fotos são aquelas que estão mais envolvidas com o movimento. E se as ativistas são geralmente magras é “porque em uma sociedade tão hostil aos corpos femininos, garotas devem estar preparadas para enfrentar comentários, insultos e violências física e moral”.

Em entrevista a Jessica Zychowitz, Anna Hutsol disse em relação ao fato de não haver mulheres mais velhas no Femen [2]:
Mulheres fortes não podem ser tímidas na Ucrânia. Considere o fato de que um corpo velho não é tão bonito quanto era aos 16; bem, também há os vizinhos, parentes, etc que acham que mulheres mais velhas não podem sair gritando em protestos ou envolver seus netos. E é mais difícil enfrentar o preconceito quando se é mais velha do que quando você tem 20, 22, 25 ou 26, porque quando se é mais nova você não tem nada a perder.














A ativista bielorrusa Alexandra Nemchilova: piada

Usada como exemplo de ativista gorda quando indagadas sobre o porque de não aceitarem mulheres fora do peso considerado padrão, a bielorussa Alexandra Nemchilova servia de escada cômica nos protestos do Femen internacional. Vestida de “sex bomb”, com a cabeça raspada e de bigodes falsos para personificar ditadores ou até mesmo colocada em um chiqueiro para protestar contra a Eurocopa em 2012, a falta de respeito e a chacota eram latentes.


Também se nota a falta de ativistas negras e orientais no grupo, e mesmo no Brasil a tendência a buscar ativistas que se enquadrem ao padrão eurocêntrico de beleza foi notada e bastante discutida. E apesar de o grupo hoje negar, existe sim um processo seletivo para entrar no Femen. Usar somente corpos jovens e que seguem os padrões impostos de beleza é uma forma de ter a atenção irrestrita da mídia, que o Femen vê como aliada. Mas ao atender as demandas daqueles que elas consideram como aliados, acabam excluindo aquelas que realmente seriam as verdadeiras beneficiárias de seu suposto ativismo: as mulheres.


1 Zychowicz, Jessica. 2011. Two Bad Words: Femen & Feminism in Ukraine, pag 221

2 Zychowicz, Jessica. 2011. Two Bad Words: Femen & Feminism in Ukraine, pag 219

Agradeço a Anna Rocha pela ajuda nas pesquisas e na revisão e Jose Antonio Pano pela ajuda nas traduções



Criação de Núcleos Regionais

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A Liga Humanista Secular do Brasil vem a público informar que, cientes e de acordo com o Estatuto da entidade (art. 13), os integrantes dos grupo de membros abaixo relacionados, através de seus representantes indicados, ingressaram com pedido de criação de Núcleos Regionais, submetendo seus nomes e propostas à Diretoria da LiHS, que os aprovou, e para oficializar, emitiu a presente nota. 

Aliança Estudantil Secularista Pará - Ábia Costa
Aliança Humanista Secular de Londrina-PR - Felipe Mendes Tacla
Campo Grande-MS - Arlon Cossetin Branco
Distrito Federal - Helder Duarte
Estado da Bahia - Diego Carmo Sousa
Estado de Minas Gerais - Fabíola Amaral Ladeira
Estado do Ceará - Francisco Wilton Lima Cavalcante
Interior do estado de São Paulo - Adelino De Santi Júnior
Joinville-SC - Rafael de Souza Gomes
Manaus-AM - Jacob da Silva Reis
Nova Friburgo-RJ - Maurício Sérgio de Oliveira
Rio de Janeiro-RJ - Thiago de Oliveira Macedo

Luciano Rossato Dias
Secretário Geral

LiHS participa do IDAHO (Dia Internacional Contra a Homofobia)

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Por que existe um
Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia
(IDAHO)?


Em quase 80 países do mundo, pessoas que amam pessoas do mesmo sexo ainda são consideradas como criminosas, inclusive sob o risco de prisão. Em nove países, pessoas homoafetivas ou transgênero podem até receber pena de morte.


Assim como as discriminações legais, a homofobia e a transfobia sociais negam o direito básico à dignidade a milhões de pessoas ao redor do globo diariamente.


O Dia Internacional Contra a Homofobia (IDAHO) foi criado em 2004 para chamar a atenção dos formadores de políticas, formadores de opinião, movimentos sociais, do público em geral e da mídia para esse tema.


Não se trata de uma campanha centralizada, mas de um momento em que todos podem realizar ações concretas de modo sincronizado.


17 de maio foi escolhido para comemorar a decisão da Organização Mundial de Saúde que, nesse mesmo dia no ano de 1990, retirou a homossexualidade da classificação de desordens mentais.


O Dia Internacional contra a Homofobia é celebrado agora em mais de 100 países, sendo o Brasil o campeão de ações esse ano. Fato reconhecido pelos próprios promotores internacionais do movimento.


Isso, porém, não se deve ao apoio direto de nossas autoridades, com algumas felizes exceções. Nossos governantes e legisladores ainda estão perdendo para outros chefes de Estado.


Enquanto isso, líderes políticos internacionais têm participado e até promovido ações para celebrar esse dia, como foi o caso da Rainha Máxima da Holanda, que participou da conferência de abertura do IDAHO ontem (16 de maio), e como é o caso das embaixadas da Holanda, da Suécia, da Bélgica e do Reino Unido, que hastearão a bandeira do arco-íris em frente às suas sedes em Brasília nesta sexta-feira, 17 de maio.


Além disso, o Parlamento Europeu e agências das Nações Unidas celebram o IDAHO com eventos especiais.


Hoje a revista online holandesa DNP (só para assinantes) publicou uma citação do presidente do Conselho LGBT da LiHS, em comemoração ao Dia Internacional de Combate à Homofobia: http://www.denieuwepers.com/nederland-steekt-braziliaanse-homos-en-lesbiennes-hart-onder-de-riem/


Eles perguntaram o que achava do hasteamento da bandeira do arco-íris em frente à Embaixada da Holanda em Brasília. A resposta foi:


"Essa iniciativa é maravilhosa. O Brasil precisa se espelhar em países pioneiros na igualdade de direitos da sexodiversidade. A Holanda tem sido um exemplo desde que aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nenhum país até então havia feito isso. Foi um marco histórico e o início de uma mudança de paradigma no direito. Fico feliz em saber que a nação holandesa não apenas inclui, mas celebra a sexodiversidade. Queremos ver o dia em nossa presidente e nossos congressistas trabalharão pela inclusão tanto quanto nosso Judiciário. Parabéns a Holanda pelo vanguardismo. Hoje mesmo colocarei esse post no blog Fora do Armário.”


O momento mais alto dessa semana em termos de representação da LiHS foi a participação de nossa vice-presidente Åsa Dahlström Heuser nos eventos que precederam a IV Marcha Nacional Contra a Homofobia em Brasília, assim como da própria marcha. Alinhada com as melhores práticas humanistas internacionais, a LiHS entende que os direitos LGBT são Direitos Humanos, e insta à sociedade e ao governo a defenderem ativamente a dignidade das pessoas homoafetivas e transgênero, especialmente diante do crescimento dos ataques homofóbicos nos últimos anos no Brasil.










Por Sergio Viula

Presidente do Conselho LGBT da LiHS

Com informações do IDAHO official site.

Criação de Núcleos Regionais

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A Liga Humanista Secular do Brasil vem a público informar que, cientes e de acordo com o Estatuto da entidade (art. 13), os integrantes dos grupos de membros abaixo relacionados, através de seus representantes indicados, ingressaram com pedido de criação de Núcleos Regionais, submetendo seus nomes e propostas à Diretoria da LiHS, que os aprovou, e para oficializar, emitiu a presente nota.

São Paulo-SP - Vanderlei Gonçalves do Carmo
Curitiba-PR - Vinícius da Silva de Santana
Alagoinhas-BA - André Ferreira da Conceição

Luciano Rossato Dias
Secretário Geral

Mudança de Representante do Núcleo Regional do estado da Bahia

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A Liga Humanista Secular do Brasil vem a público informar que o Núcleo Regional do estado da Bahia, por solicitação de seus integrantes, será agora representado por Romeu de Brito Brandão, no lugar de Diego Carmo Sousa, e para oficializar, emitiu a presente nota.

Luciano Rossato Dias
Secretário Geral

Nomeação de Comissão Eleitoral

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A Presidência da Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS) nomeou nesta sexta-feira, 2 de agosto, uma Comissão Eleitoral que será responsável pelo processo de eleição da nova presidência da organização. A Comissão, composta por um membro da Diretoria e dois sócios efetivos da LiHS (externos à Diretoria Executiva), publicará em breve o Edital com as definições sobre inscrições, campanha e votação. O processo todo deve ocorrer nos próximos dois meses, e a atual gestão encerra suas atividades em dezembro deste ano. A nova presidência, composta por Presidente(a) e Vice-Presidente(a), será eleita para o mandato trienal de 2014-2016.

O Ato de Nomeação da Presidência pode ser conferido abaixo.


Luciano Dias
Secretário Geral

Nota sobre postagem no Facebook da LiHS

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Gostaríamos de deixar claro que nós do CoFem não temos envolvimento com a postagem lesbofóbica postada na página da LiHS/Facebook, no dia 07/12/2013 (retirada no mesmo dia).
  
As postagens na página do Facebook são feitas de forma independente por vários diretores da Liga, sem programação e/ou consulta prévia por pares, contando apenas com o bom senso e comprometimento do postante com o que a entidade representa.  

Também informamos que não compactuamos com a crítica lesbofóbica desferida pelo autor da postagem. Respeitamos todas e quaisquer formas das mulheres se organizarem politicamente e não entendemos o lesbianismo separatista, citado pela vertente radical do feminismo, como ameaça ao humanismo e/ou a dignidade do ser humano. 
Informamos ainda, para maiores esclarecimentos, que esse Conselho vem debatendo o caso com outros diretores da LiHS na esperança de que esta se responsabilize e se retrate.

Pedimos a todas as mulheres que se sentiram incomodadas com alguma postagem da Liga, que entrem em contato conosco através do e-mail: cofem@ligahumanista.org.br

Observações críticas sobre o PL nº 4.211/2012, de autoria do deputado Jean Wyllys

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Por CoFem
 

O deputado Jean Wyllys propôs o Projeto n.4.211/2012, que, se for convertido em lei, se tornará conhecido como 'Lei Gabriela Leite'. Diz-se que o projeto visa regulamentar a profissão de prostituta/trabalhador do sexo.

1) Quem foi Gabriela Leite?


Gabriela Leite foi uma guerreira, uma lutadora que exercia a profissão de prostituta e dedicou boa parte de sua vida lutando pelos direitos dos profissionais do sexo. Fundadora da Ong 'Davida' e da marca de roupas 'Daspu'.

2) O projeto de lei aumentará a prostituição?

Não possuindo poderes especiais, não há como afirmar, com a certeza que se faz necessária, que isso irá ocorrer, ou seja, que a regulamentação da profissão aumentará a busca por essa profissão.

O deputado em sua justificativa, afirmou que não:

"...O escopo da presente propositura não é estimular o crescimento de profissionais do sexo. Muito pelo contrário, aqui se pretende a redução dos riscos danosos de tal atividade. A proposta caminha no sentido da efetivação da dignidade humana para acabar com uma hipocrisia que priva pessoas de direitos elementares, a exemplo das questões previdenciárias e do acesso à Justiça para garantir o recebimento do pagamento...."

De maneira alguma duvidamos do real intento do deputado; o trabalho dele, incansável e indispensável, tem mostrado quais os valores que ele de fato tem e defende. Todavia, muitas vezes nossas ações acabam tendo desdobramentos que fogem à nosso controle. Entendo esse o caso.

Tendo ou não bola de cristal, todo e qualquer ser humano é capaz de, analisando os fatos sociais, prever minimamente o que pode vir a ocorrer. E sim, não há como afastar a hipótese de que isso pode sim ocorrer. Expliquemo-nos:

Existe uma coisa em Direito Penal chamada princípio da reserva legal; dita ele que não existe crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Significa isso o seguinte: uma determinada conduta SÓ será considerada crime se tiver uma lei dizendo que aquela conduta específica é crime e só haverá punição se houver uma lei anterior fixando uma punição para aquela conduta.

Existe uma outra coisa chamada 'Tipicidade'; ela traduz uma relação entre um tipo penal (algo definido como crime) e uma conduta humana e que deve haver um encaixe perfeito entre a definição da lei e a conduta. Se uma conduta não for típica, ela é 'um nada' para o Direito Penal, ou seja: não haverá qualquer punição porque não será considerado crime.

Porque essas duas definiçoes supra são importantes? Sao importantes porque o projeto do deputado Jean modifica o conceito de exploração sexual. Vejamos o que diz:

"Art. 2o - É vedada a prática de exploração sexual.
Parágrafo único: São espécies de exploração sexual, além de outras estipuladas em legislação específica:
I- apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual por terceiro;
II- o não pagamento pelo serviço sexual contratado;
III- forçar alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência"

Trocando em miúdos, para ser considerada EXPLORAÇÃO SEXUAL, a conduta tem de se encaixar perfeitamente em ao menos um dos três incisos. Se tal nao ocorrer, diga adeus a qualquer possibilidade de penalização do agente.

Como isso reflete nas demais normas penais que tratam do assunto 'prostituição'? Vamos ver?


O artigo 228 do CPenal atualmente tem a seguinte redaçao:

 "Art. 228.  Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone" e , se o projeto objeto da presente for aprovado, passará a ter a seguinte redação: "Art. 228. Induzir ou atrair alguém à exploração sexual, ou impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual ou a prostituição".

Ou seja: o tipo penal atual foi reduzido em categorias novas.

Antes:
a) induzir ou atrair alguém à prostituição ou a outra forma de exploração sexual,
b) facilitá-la,
c) impedir ou dificultar que alguém a abandone.


Agora:
a) atrair alguém à EXPLORAÇÃO SEXUAL,
b) impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual ou a prostituição.


Consegue visualizar a diferença? Não será crime tentar convencer as pessoas a se prostituírem. Assim, pessoas interessadas em aumentar a oferta de prostitutas pode contratar uma pessoa para sair por aí, pelos rincões de nosso Brasil convencendo pessoas a se prostituírem, tentando atrair essas pessoas para a prostituição. E isso não será crime.

Tá tudo bem para você? Você acha que considerando a grande vulnerabilidade econômica de muitas pessoas nos recônditos mais distantes dessas terras de santa cruz, que não será fácil fácil convencê-las a entrar para a prostituição?

Vamos pensar em termos de capital; a Organização Internacional do Trabalho demonstrou, em seu relatório, os obstáculos impostos às mulheres por conta do gênero, isso desde a fase escolar até a fase adulta, com recebimento de valores inferiores aos dos homens pelo mesmo trabalho. Em lugares mais longínquos, onde a figura do Estado é mais distante, o problema é maior.

Imagine então o que acontecerá com o 'mercado do sexo' ofertando mais vagas de empregos e ofertar essas vagas às pessoas mais vulneráveis economicamente? Isso pode ou não aumentar a prostituição?

3) O Projeto ajudará diminuir a exploração sexual?

Em entrevista concedida ao Childhood Brasil, ele, apesar de ter respondido de forma muito vaga, também acenou neste sentido:

"CB – De que maneira o projeto de lei garante o enfrentamento da exploração sexual contra crianças e adolescentes?

JW – Apesar de a profissão ser reconhecida, as casas de prostituição são ilegais. Esse tipo de situação faz com que essas casas não sejam fiscalizadas, pois operam na ilegalidade, deixando as prostitutas em situação de insegurança jurídica e longe do acesso aos serviços públicos. Operar na legalidade irá promover o melhor acesso das prostitutas a políticas públicas, como as do Ministério da Saúde, por exemplo, na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, as casas serão fiscalizadas, o que irá coibir a exploração sexual de crianças e adolescentes"

De verdade compreendemos que o Jean Wyllys de fato acredita que a aprovação do mencionado projeto diminuirá a prostituição infantil. Mas vamos lá: diminuirá mesmo?

Primeiro que isso soa meio estranho: vamos salvar nossas crianças jogando as mulheres aos leões? Mas antes que nos me acusem de moralismo, adianto que isso será tratado mais adiante.

Segundo que: quem fiscalizará? Veja: um projeto de lei passa por várias comissões: a comissão de constituição e justiça, a comissão de seguridade social, a comissão de finanças e tributação. Essa última analisa o impacto que  cada proposta de lei gerará no orçamento. É lóooooogico que esse projeto do deputado Jean vai passar nessa comissão....afinal, NÃO HOUVE PREVISÃO de quem será o órgão responsabilizado pela fiscalização dos estabelecimentos. Quem vai ser?

Veja bem: deixar a encargo da política e acreditar que haverá uma fiscalização efetiva é ser por demais ingênuo. Afinal, se nós mesmas sabemos onde tem uma quantidade grande de estabelecimentos que se dedicam a prostituição a polícia não sabe? O que vai acontecer é mais do mesmo: a fiscalização não passará de desculpa para policiais corruptos tomarem dinheiro dos empresários que exploram tais atividades.
 
Não que existam apenas policiais corruptos neste país; mas sim que a fiscalização ou é ineficaz ou inexistente, e quem ignora isso é tolo e ingênuo.



4) O Projeto regulamenta a profissão de prostituta?


Mas vem cá: o que é regulamentar uma profissão? Vamos começar do começo. A Constituição diz que todo trabalho ou profissão é livre. Esse direito à livre escolha é limitado de algumas formas: a) exemplo do serviço militar, que não é livre, b) necessidade de qualificação (como advogado, engenheiro, etc).

Quando o Estado regulamenta a profissão, geralmente ele traça diretrizes sobre a atuação do profissional, fixando direitos, obrigações e deveres. Isso acontece na iniciativa privada e também na pública. Exemplo da pública temos a Lei 10.261/68, chamada Estatuto do Servidor Público Civil do Estado de São Paulo, que fixa direitos, deveres e obrigações do servidor publico estadual. Exemplo de iniciativa privada temos a lei 12.468/2011 que regulamenta a profissão de taxista, que também fixa direitos, deveres e obrigações.

Já o projeto do Deputado Jean faz o que mesmo? Quais os direitos, deveres e obrigações das prostitutas, fixados na lei mencionada?

a) O direito de criar cooperativas, fixado no artigo 3, inciso II? Oras, não subestimeis a capacidade de interpretação de outrem! Considerando que a prostituição (a pessoa se prostituir) não é conduta ilícita (proibida pelo ordenamento jurídico), as prostitutas JÁ teriam o direito de criar cooperativas de trabalho que seriam reguladas pela Lei 5.764/71. O problema disso é que os resultados financeiros obtidos seriam distribuídos entre os membros da cooperativa e a distribuição seria proporcional ao 'trabalho' daquele cooperado 'X' ou 'Y'.

b) O direito de trabalhar como autônomo? Bom, isso já é direito da prostituta, que exerce atividade lícita, que tem sua ocupação descrita no Código Brasileiro de Ocupações e direito a se inscrever na Previdência como profissional do sexo.

c) O direito a estar dentro da legalidade? Oras, elas já exercem atividade legalizada.

Que inovação o projeto traz, qual o novo benefício trazido pelo projeto, alguém pode nos apontar?

Um exercício leve de imaginação (que o deputado Jean Wyllys tem envergadura intelectual para fazer até melhor) permite que pensemos em coisas que seriam de interesse destas trabalhadoras. Vamos a elas?

d) Do direito a não se prostituir e do Direito de denunciar e exigir a punição do cliente que cometa abuso sexual:

 "...Observou-se que as prostitutas eram solteiras, pertenciam a um grupo socioeconômico desfavorável e possuíam baixo nível de escolaridade, o que dificultava a inserção das mesmas em outras atividades comerciais...."

Disso o projeto não trata: como já dito, não existe paridade entre as chances ofertadas às mulheres e às ofertadas aos homens, no campo do trabalho (como apontou o relatório da OIT), as mulheres tem muito menos chances. Que tal se o projeto se preocupasse com políticas que ofertassem às mulheres maiores possibilidades de escolhas (impedindo que escolhessem a prostituição) e meios para sair dela. Isso seria muito bem vindo, ou não? Seria de interesse das próprias prostitutas. Ou não?

“Notou-se também que essas mulheres estão sujeitas à violência, seja por seus clientes, que entendem que o pagamento lhes confere poderes, até mesmo para agredi-las, bem como pela sociedade, que as marginalizam como sendo pessoas não dignas de direitos. Cabe ressaltar como fator preocupante a pouca procura, enquanto vítimas de violência, pelos serviços jurídico, policial e de saúde, seja por medo da recidiva das agressões ou pela vergonha. Sendo assim, torna-se imprescindível a divulgação das ações de apoio realizadas por esses órgãos, a fim de que as prostitutas exercitem seus direitos.”


Disso o projeto também não trata: de como proteger as clientes de eventuais abusos dos clientes. Porque a prostituta consentir em sexo anal, vaginal ou oral NÃO implica em aceitar, consentir com qualquer tipo de dor. E se o cliente resolver fazê-la sentir dor? E se ele contratar sexo vaginal e forçar sexo anal? Ninguém se preocupa como a prostituta poderia se proteger disso ou responsabilizar o abusador? Porque o projeto do Jean, que busca regulamentar a profissão NÃO trata desse assunto?

O artigo de onde foram tirados os trechos supra descritos estão aqui:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672012000600015&lng=pt&nrm=iso

e) Do direito da prostituta ou prostituto a seus direitos civis e das políticas públicas a serem implementadas para que o Estado treine seus agentes para respeitar ditos direitos.

Veja esse texto:

“... Esse conjunto de artigos revela pois que, embora a prostituição não seja considerada crime, a vigência até os dias atuais do supracitado Código e em consequência, a criminalização de um conjunto variado de atividades que são intrínsecas ao seu funcionamento cotidiano, faz do sistema de justiça criminal uma instituição permanentemente demandada para determinar a existência ou não de delitos passíveis de serem punidos penalmente. Além disso, a necessidade constante de se fazer a distinção entre prostituição e lenocínio e que ocasiona o acionamento das instituições que integram o sistema de justiça criminal, abre espaço para uma série de ações que, freqüentemente, ferem direitos elementares das prostitutas quando não as envolvem em situações marcadas pele violência (Barreto, 1995; Briones, 1995; Pimentel, 1994)....."



Quem não sabe disso? Vai na Rua Augusta (SP, Capital) ou nas imediações do Parque do Carmo (também SP) ou em qualquer lugar onde existam prostitutas e você vai ver que vira e mexe policiais vao lá e desrespeitam os direitos civis dessas pessoas. Isso é comum como chiclete na calçada. Ignorar isso é ignorar algo profundamente ordinário nas relações Estado-cidadãos/ãs prostitutos/as.

Onde estão os artigos do projeto que visam isso, políticas públicas para mudar esse quadro? Não é de interesse das prostitutas?

O texto integral de onde extraímos esse trechinho, está aqui:

f)  Das políticas de saúde voltada às prostitutas:

"...Um dos grandes desafios enfrentados pelas prostitutas se refere ao convencimento do cliente para o uso do preservativo. De um lado existe a resistência dele quanto à adoção de práticas seguras e, do outro, a fragilidade da prostituta ao lidar com tal situação. Desse modo, além da percepção do risco de infecção por DST/HIV/Aids, são necessárias habilidades das prostitutas para lidar com as diversas situações.5 A maior vulnerabilidade envolve o preço e a quantidade de programas, a autonomia de negociação direta com o cliente e o acesso a preservativos...."


Esse assunto, saúde pública, é de interesse tanto das profissionais quanto de toda a sociedade. Quais serão as medidas a serem implementadas para conscientização dos clientes (da necessidade de medidas preventivas) e das ações de saúde voltadas para os profissionais.

Link do texto aqui: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072008000300003&lng=pt&nrm=iso



Nada disso interessa aos profissionais da área?
Muito duvidamos.

Nenhum desses assuntos foi tratado, o que nos leva a inevitável pergunta: PORQUE?

Agora, navegando nos obscuros mares das conjecturas, poderia dizer que a) não existe consenso entre as entidades ouvidas (o que levaria a outra pergunta: quais entidades foram ouvidas? e considerando as notícias que mostram discordância entre as próprias interessadas, o porque de algumas opiniões serem consideradas e outras não)  b) havendo um forte lobby dos interessados no projeto (indústria da exploração sexual), existiria uma pressão que tornaria impossível, por hora, tratar desses outros assuntos sem comprometer a aprovação do projeto  c) o deputado Jean Wyllys está apostando no utilitarismo de aprovar o projeto deste modo crendo que DEPOIS será possível emendá-lo para incluir outros aspectos.

O parágrafo supra foi pura conjectura, logo ele pode não revelar a verdade dos fatos. Mas suponhamos que seja assim. Nenhuma das hipóteses justificaria a aprovação do projeto como está.

A uma porque enquanto houver dissenso nao será possível dizer, como o deputado tem dito, que o projeto é de prostitutas para prostitutas.

A duas porque se há lobby do mercado do sexo fazendo pressao para a aprovaçao do projeto como está, entao o projeto deve ser revisto, pq a indústria JAMAIS se preocupa com o indivíduo.

A três porque aprovar como está na esperança de depois poder emendar é ingenuidade. Está aí o PL 122/06 que visa emendar a Lei 7.116/89 para provar.

O resumo da ópera é que o projeto só beneficia o cafetão, o aliciador, o agenciador, aquele que explorará o trabalho da prostituta.


5) Quem é contra o projeto é moralista?

Quem afirma isso aposta na idéia de que as feministas tem problemas com sexo, quando isso não é verdade.

O problema de muitas feministas com a prostituição reside no conceito de ESCOLHA.

Uma blogueira conhecida no meio feminista, chamada Fabiane Lima, bem apresentou a questão, conforme abaixo exposto:



"Sobre prostituição e escolha

Que tal se, nessa discussão — em que vivem acusando feministas que são contra a prostituição de serem moralistas — em vez de a gente falar em “moral” a gente falar em “capital”? Porque assim, se vocês não vêem nada de errado em 95% das pessoas prostituídas serem mulheres [cis ou trans, tanto faz], nem notarem que é até estranho usar essa palavra no masculino, nem que mesmo entre os poucos homens que se prostituem a maioria está ali para servir outros homens, acho que é bom a gente mudar o foco do debate, só um pouquinhozinho assim.

Convido vocês então a darem uma olhadinha em umas coisinhas:

Mulheres são donas de MENOS DE UM PORCENTO da propriedade privada no mundo, e geralmente quando o são, o receberam por herança [DEERE e LEON, 2001].
Mulheres foram [e são] historicamente excluídas do processo de geração do conhecimento [SCHIEBINGER, 2001].
Em alguns lugares do mundo, é mais fácil uma menina ser estuprada que ser alfabetizada [BANYARD, 2010].
Mulheres foram [e são] historicamente excluídas da educação formal, e mesmo quando admitidas em escolas e universidades, esse acesso foi bastante restrito durante muito tempo — ainda é em muitas áreas, como por exemplo a computação [ETZKOWITZ et al, 2000].
Sempre que um campo começa a se profissionalizar, tal campo, que antes era aberto e receptivo à presença feminina — mão de obra barata, quem não quer? —, passa a se masculinizar progressivamente. Isso aconteceu com TODOS os campos do conhecimento, e com TODAS as atividades profissionais, da astronomia à computação [SCHIEBINGER, 2001; CARVALHO, CASCAES & SPANGER. In: CARVALHO et al., 2009].
Mulheres foram, principalmente durante os primeiros séculos da criação do sistema de patentes, ridicularizadas quando tentavam registrar alguma invenção sua [MCGAW. In: LERMAN et al, 2003], num sistema que já tem sérios problemas em relação a atribuição de autoria [NOBLE, 1979].
Mulheres, quando trabalham em uma certa área em que sua atuação é vista como menos importante, acabam não recebendo créditos por sua participação [LIMA e MERKLE, 2013 <= EUZINHA].
Mulheres, durante toda a vigência do patriarcado são hiperssexualizadas e vistas como mero objeto de decoração, objeto de meter a rola dentro, porque mulher não pode pensar, não pode se impôr, não pode bosta nenhuma além de parir e ser linda [DINES, 2010].
Esses são apenas alguns exemplos. Então pensem aqui comigo: as mulheres são excluídas da posse de bens materiais desde que a noção de bens materiais existe [há aproximadamente cinco mil anos, vide ENGELS, 1984], e de repente, vender a única coisa que elas de fato têm, a si mesmas, assim, de repente, virou uma ESCOLHA delas? Gente, como assim? É sério isso?

Homens botam um monte de barreiras pro acesso das mulheres em tudo que é área que possa garantir o sustento das mulheres e, de repente, não mais que de repente, vender seu corpo é lindo, é maravilhoso. E essa homarada que acha isso tudo muito lindo nunca pensou em fazer isso também? Por que será? Ah, já sei! É porque o leitinho das crianças de vocês já tá garantido, né?
___________________________

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANYARD, Kat. The equality illusion : the truth about women and men today.
London: Faber and Faber, 2010.

CARVALHO, Marilia Gomes; CASCAES, Tânia Rosa F.; e SPANGER, Maria Aparecida Fleury Costa. “Ciência e Tecnologia sob a Ótica de Gênero”. In: CARVALHO, Marília Gomes de; CASAGRANDE, Lindamir Salete; e LUZ, Nanci Stancki da (org). Construindo a Igualdade na Diversidade: gênero e sexualidade na escola. Primeira edição. Curitiba: Editora UTFPR, 2009.

DEERE, Carmen D. e LEÓN, Magdalena.
Empowering Women: land and property rights in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2001.

DINES, Gail. Pornland : how porn has hijacked our sexuality. Boston: Beacon Press, 2010.

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Nona edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

ETZKOWITZ, Henry; KEMELGOR, Carol e UZZI, Brian.
Athena Unbound: the advancement of women in science and technology. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

LIMA, Fabiane Alves de; MERKLE, Luiz Ernesto. “O processo de invisibilização das mulheres na informática e na produção tecnológica a partir do exemplo das ENIAC Girls”. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013.

SCHIEBINGER, Londa. O Feminismo Mudou a Ciência? Tradução de Raul Fiker. Bauru: EDUSC, 2001"



Apesar do texto dela ser auto-explicativo, vamos resumir ainda mais: A Fabiane Lima analisa o contexto econômico no qual estão inseridas as mulheres brasileiras e tenta mostrar ao interlocutor a questão da escolha sob outro prisma. O Estado Brasileiro tem de cumprir com as diversas obrigações que assumiu na 'Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres'. Sério, cumpram aquilo pois, quando todos aqueles artigos ganharem EFETIVIDADE, daí sim, poderemos falar em ESCOLHAS. Porque enquanto as mulheres tiverem de enfrentar os obstáculos descritos no relatório da OIT e na pesquisa da Avon, não há de se falar em 'escolha válida', pois quando a escolha é SÓ UMA, não há, de verdade, escolha alguma.

"....Nós vivemos numa sociedade consumista/de consumo onde a prioridade vai para o individualismo e para o consumo irrestrito de pessoas e coisas, e baseado no consumo um dos outros. Em tal contexto, ver prostitutas como trabalhadoras serve para encobrir a oposição feminista ao marketing de mulheres numa escala global. Isso permite os cafetões afirmarem que mulheres fazem isso por ‘escolha’, e mesmo por ‘gosto’, então escondendo o que todos estudos demonstram: que mulheres prostituem a si mesmas por necessidade¹...."

".....Muitos dos que argumentam pela liberação total da prostituição tentam descreditar feministas que são opostas a essa posição dizendo que em última instância são moralizante, seus discursos, portanto, vitimizantes e estigmatizantes das prostitutas. Todavia, neo-abolicionistas não são responsáveis pelas condições de trabalho das prostitutas ou pela hostilidade daqueles que vêem sua vizinhança transformada num mercado aberto de mulheres e drogas. Por que nós não temos sido aptas a extirpar as causas do problema, devemos legitimar suas conseqüências?

A íntegra do texto de onde tirado esses trechos você encontra aqui: http://arttemiarktos.wordpress.com/2010/11/20/prostituicao-direitos-das-mulheres-ou-direitos-sobre-as-mulheres/

Então, falar em moralidade é uma forma rasa de desviar o verdadeiro cerne da discordância de muitas feministas, que é na contestação da 'escolha' dessas mulheres. Quando e se todas as mulheres tiverem reais, válidas e equânimes escolhas profissionais, será então possível falar em escolha sem ignorar que a maioria não tem escolha alguma.
 
6) Do direito de escolha de quem não é levado pelas condiçoes socio-econômicas:

".....É essa a imagem de “prostituta respeitável” que os políticos querem tornar plausível: livres para fazer o que elas gostam, cobertas pelo sistema de seguro social, fazendo o trabalho que gostam e poupando numa conta do banco local. Os cientistas sociais tem um nome para elas: “trabalhadoras do sexo migrantes”; ambiciosas prestadoras de serviço que estão aproveitando as oportunidades que agora existem numa Europa cada vez mais unificada....."

Íntegra do texto: http://arttemiarktos.wordpress.com/2013/10/14/desprotegidas-como-a-legalizacao-da-prostituicao-falhou/

Existem mulheres que entram para a prostituição sem terem sido levadas a ela por questões econômico sociais, que entraram 'por gosto'. Sim, existem. São elas a regra ou a exceção? Todos sabemos que são a exceção.
 
Então é lícito perguntar porque basearíamos a regulamentação de toda uma gama de profissionais utilizando como base para essa regulamentação APENAS E TÃO SOMENTE as necessidades da 'exceção', ou não?

Citaremos apenas um exemplo: porque o projeto 7382/2010 (no rodapé consta a íntegra) que visava penalizar a discriminação contra heterossexuais era TÃO IMENSAMENTE RIDÍCULA? Porque eventual discriminação de heteros é tao exceção que não constitui problema efetivo a ser enfrentado pelo Estado e coibido com a promulgação de leis.

Então porque um projeto de Lei como o do Jean, que baseia-se na escolha, escolha esta que é uma exceção à regra da prostituição, não mereceria a mesma repulsa social?

Fica aí a pergunta para ser respondida por quem teve a paciência de ler tudo isso.


___________
Íntegra do projeto: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1012829

Íntegra do Código Penal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm

Íntegra da entrevista concedida por Jean Wyllys ao Childhood: http://www.childhood.org.br/para-deputado-regularizacao-da-prostituicao-pode-coibir-exploracao-sexual-de-criancas-e-adolescentes

Íntegra do texto de Fabiane Lima 'Sobre prostituição e escolha': http://euescolhifornicar.com/post/69199073962

Íntegra da Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/discrimulher.htm

Íntegra do relatório da OIT: http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/pub/igualdade_genero_262.pdf

Íntegra da Pesquisa do Instituto Avon: http://www.institutoavon.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Pesquisa-Avon-Instituto-Ipsos-2013.pdf

Tecendo redes ativistas na América Latina: IV Congreso Nacional de Ateísmo, Mar del Plata, Argentina

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Por Eli Vieira, diretor de Relações Internacionais da LiHS.



Relato sobre a participação da LiHS - Liga Humanista Secular do Brasil no IV Congreso Nacional de Ateísmo, por Ateos Mar del Plata, na província de Buenos Aires, Argentina.

A primeira coisa que gostei sobre o evento foi que ele foi uma homenagem ao artista recém-falecido León Ferrari, ateu, que eu já conhecia de uma exposição no Museu Iberê Camargo de Porto Alegre.

Representei a LiHS numa mesa redonda para "tecer redes de ativismo latinoamericano" nas questões secularistas e humanistas. Falamos eu em nome da LiHS, Fernando Lozada em nome da organização argentina anfitriã, e Ramón Badillo em nome da Sociedad Atea Chile.

Informei aos presentes sobre o crescimento do evangelicalismo dito neopentecostal no Brasil, sobre o voto de cajado, e como preocupa às minorias de crença, incluindo o ateísmo, a intromissão teocrata no poder público brasileiro. Para dar também uma visão otimista, apontei que também cresceu o número de evangélicos sem denominação, que se comportam de forma similar a muitos "católicos não praticantes", em minha opinião de forma mais benigna que setores fundamentalistas. Mostrei algumas petições com dezenas de milhares de assinaturas que a LiHS coletou contra projetos teocráticos como a PEC99 de João Campos, e que esta última petição eu nomeei "hermanos en la discordia", coisa que agradou a seguidores de religiões de matriz africana que assinaram a petição.

Peguei uma nota de peso argentino e disse que eu invejava os argentinos por não terem frase religiosa privilegiando uma crença em detrimentos das outras em seu dinheiro. Contei a história do promotor brasileiro que sofreu ameaça de morte por propor a retirada da frase "Deus seja louvado" das cédulas de real, e que o responsável pela frase estar ali foi José Sarney, numa decisão autoritária sem base em lei alguma.

Dei os números da LiHS e alguns exemplos de ações de sucesso defendidas ou realizadas por nós, e do que está por vir, como nossa participação junto ao STF no julgamento do ensino religioso, que será arguida por nosso advogado Túlio Vianna. Disse também que o lema do evento, "tecendo redes ativistas", bem poderia ser o lema da LiHS, que define o humanismo como "racionalismo a serviço da compaixão". A LiHS busca teces redes ativistas em diversos assuntos, como direitos LGBT, feminismo, combate a racismo, conscientização sobre direitos animais, e sobretudo, quando se fala de ateísmo, laicidade e tolerância entre crenças diferentes. Também disse que a LiHS, com base em pesquisa empírica de sua membro emérita Debora Diniz, adotou por assembleia geral a posição de ser contrária ao ensino religioso nas escolas públicas, por estar sendo usado para doutrinação.

A seguir, falou Ramón Badillo sobre a experiência chilena. Ramón informou detalhadamente sobre o crescimento do secularismo no Chile, e dissecou estatísticas sobre sua organização e o estado do ateísmo no Chile. O que mais me impressionou na intervenção de Ramón foi os diversos movimentos sociais aos quais estão conectados: por exemplo, movimentos de nativos indígenas. Eu disse que gostaria que a LiHS imitasse o exemplo chileno e se aproximasse dos movimento indígenas, especialmente no contexto atual, com o genocídio dos Guarani-Kaiowá acontecendo neste momento no Brasil. 

Fernando Lozada falou do ateísmo como identidade e da importância de os ateus conscientizarem-se de que são uma minoria e também por isso devem se comiserar do que passam outras minorias. Defendeu que dentro do livre-pensamento não pode haver espaço para machismo, homofobia, transfobia, racismo e outros preconceitos. O evento organizado por Lozada e os outros membros da Ateos Mar del Plata teve sucesso em seu propósito, pois ali nos sentimos em irmandade não apenas por nossos compromissos com valores epistêmicos e éticos seculares, mas também pelo compartilhamento da cultura latinoamericana - e nós brasileiros precisamos fazer um esforço maior para esta aproximação e enxergar a riqueza que nos cerca no continente!

Minha inveja dos argentinos durou pouco, no entanto: depois, quando fomos celebrar e confraternizar, Athenais Trindade, membro da Ateos e organizadora da Marcha das Vadias (aqui chamada de "Marcha de las Putas", nome que gostei por congregar movimentos de mulheres prostitutas e não-prostitutas), informou-me que uma província planeja botar a imagem do Papa Francisco numa moeda.

Mafalda nos livre!



Por que junho é o Mês do Orgulho Gay? De onde vem tudo isso? E para onde vai?

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Por Sergio Viula*

O ser humano tende a se acostumar com o seu entorno, sejam os cenários, as relações interpessoais, os hábitos, as ideias etc. Infelizmente, graças a essa capacidade ou deficiência, dependendo do ponto-de-vista, o bicho homem é capaz de conviver com injustiças sem percebê-las ou sem querer pensa-las. Para piorar, há quem estranhe ou sinta-se desconfortável ao menor sinal de questionamento quanto ao status quo. Estes são geralmente chamados de conservadores e afins. Assim, diversos tipos de violência, injustiça, desigualdade vão convivendo com a indiferença dos que não atingidos pelos mesmos, e às vezes até pelos que são. Essa é a turma do “é assim mesmo”. Felizmente, existem sempre alguns que compreendem a urgência e a importância de um agir que promova transformações para uma condição mais justa e igualitária de existência. E, felizmente, não são apenas as pessoas atingidas por essas desigualdades que compõem esse pequeno grupo. Existem aqueles que, treinados na arte da solidariedade, compreendem que toda vez que um direito é negado, todos os demais correm o risco de serem usurpados – não importando quem seja a pessoa ou grupo em questão.

O que conhecemos hoje como Movimento LGBT, independentemente da época ou país, aspira tão-somente ao reconhecimento do direito a existir, viver, amar, trabalhar, expressar-se, acessar os serviços básicos nas áreas de saúde, educação, segurança, cultura, etc., sem discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. Pode soar estranho para pessoas que nunca enfrentaram homofobia em nível simbólico ou físico que coisas essenciais como alugar uma casa ou conseguir um emprego possam se tornar num verdadeiro tormento, mas existem coisas piores. Por exemplo, em países onde a homossexualidade é considerada crime, um homossexual pode ser preso e até morto por simplesmente amar alguém do mesmo sexo.
Sim, em pleno século 21 (já a caminho da segunda década!), 40% dos países membros das Nações Unidas ainda criminalizam atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, de acordo com o relatório ILGA 2012 sobre homofobia patrocinada pelo Estado. Vale ressaltar que se trata de homofobia patrocinada pelo Estado, ou seja, aquela que é sancionada e executada pelo próprio Estado através de seu aparato jurídico, policial, etc. Em números absolutos, estamos falando de 78 países onde a vida de uma pessoa LGBT é insuportável.
Por outro lado, o relatório aponta que a homossexualidade é legal em 113 países membros das Nações Unidas. Destes, 55 dispõem de legislação contra a discriminação em razão da orientação sexual no local de trabalho. Em 10 deles, gays e lésbicas podem gozar plenamente de direitos conjugais iguais, e em 12 eles podem adotar crianças. Estes são alguns dos elementos que caracterizam o status legal de gays e lésbicas no mundo em maio de 2012, conforme o relatório citado.
Mas, de onde vem toda essa movimentação LGBT em busca de reconhecimento político, jurídico, social, cultural, etc.? Como foi que lésbias, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros deixaram de ser indivíduos indiferentes para com o sistema que os oprimia, para se tornarem militantes que exigem o devido status de cidadão pleno?
Para respondermos essa pergunta, vamos recuar um pouco na história:
O movimento pela cidadania plena dos indivíduos LGBT começou na Europa, ganhando projeção a partir de iniciativas da população LGBT americana, e sendo atualmente reconhecido como movimento civil legítimo em vários países do mundo, inclusive na Organização das Nações Unidas (ONU), onde o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) outorgou, em 26 de julho de 2011, o status consultivo à Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA). Esse status permite que a ILGA assista e intervenha nas conferências da ONU e envie declarações. A ILGA passa assim a fazer parte das 750 organizações que têm caráter consultivo na ONU, mas comprometida a trabalhar pelos direitos de lésbicas, homossexuais, bissexuais, transexuais e intersexuais dentro das Nações Unidas. Os países que votaram a favor da outorga de status consultivo à ILGA foram Índia, Itália, Japão, Letônia, Malta, México, Mongólia, Nicarágua, Noruega, Peru, República de Coreia, Eslováquia, Espanha, Suíça, Ucrânia, Reino Unido, Estados Unidos, Venezuela, Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, Chile, Equador, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Hungria.
Os votos contra vieram do Egito, Marrocos, Arábia Saudita, a Namíbia, Iraque, Paquistão, Catar, China, Rússia, Senegal, Bangladesh, Camarões e Gana; e as abstenções da Guatemala, Mauricio, Filipinas, Ruanda, Bahamas e Costa do Marfim.
O secretário regional da ILGA na América Latina, Pedro Paradiso ressalta que o status consultivo para a organização é um "ato de justiça e um motivo de orgulho para a comunidade internacional", já que supõe um avanço para que "os direitos humanos sejam realmente respeitados sem nenhum tipo de discriminação".
"Nossas vozes e nossos esforços devem alcançar cada canto do mundo para conseguir que as diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de gênero sejam respeitadas e protegidas por todos os Estados", registra o site Terra.
Mas, não foi sempre assim.
Na Europa
Tomando como referência a história recente, as primeiras linhas escritas sobre a discriminação aos homossexuais datam de 1869, e foram escritas por um médico húngaro, Karóly Benkert. Ele escreveu uma carta ao Ministério da Justiça alemão condenando o novo código penal alemão. Isso aconteceu porque seu artigo 175 declarava que os atos sexuais entre homens eram delito. Foi Benkert quem utilizou pela primeira vez – também nesta carta – o termo homossexual para denominar tais atos.
Tendo em vista a luta contra o artigo 175 do código penal alemão há que se reconhecer que os primeiros movimentos em defesa da liberação homossexual ocorreram na Alemanha do século 19. Em 1897 surgia o Comitê Científico e Humanitário (CCH), que promoveu diversas atividades relacionadas ao estudo da sexualidade até 1933, quando o nazismo desencadeou violenta perseguição, logo após assumir o poder na Alemanha. Hitler utilizou o código 175 para lançar centenas de milhares de homossexuais em campos de concentração fétidos e infectados por tifo e outras doenças, nos quais esses homens foram torturados, explorados com trabalhos forçados e degradantes, utilizados em sórdidos experimentos, e mortos impiedosamente.
Durante sua existência o CCH lançou as bases daquilo que seria o movimento homossexual no decorrer do século. Entre tantas coisas, o Comitê participou de inúmeras produções cinematográficas que discutiam a homossexualidade. A mais famosa delas foi “Diferente dos Outros”, de 1919, na qual Hirschfeld atuou no papel de um médico que procura convencer a sociedade que a homossexualidade não é crime nem doença. O discurso dele é válido até hoje:
Nós devemos assegurar que brevemente chegará um tempo em que tragédias como esta [o suicídio do principal personagem gay] serão impossíveis de acontecer, porque o conhecimento irá superar o preconceito, a verdade irá superar as mentiras e o amor conquistará o ódio”.
As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas por retrocessos e derrotas causados pelo fascismo e a guerra. Contudo, nos anos 50, o movimento homossexual internacional ganhou novo fôlego com a luta dos homossexuais norte-americanos contra a “caça às bruxas” promovida pelo senador McCarthy. Contudo, os pequenos grupos que surgiam na época eram apenas o prenúncio do poderoso movimento homossexual que iria surgir naquele país duas décadas depois.
Em 08 de dezembro de 2004, foi finalmente aberto ao público, em Berlim (Alemanha), o Museu Gay, conhecido como Schwules Museum. Este é o único museu do mundo dedicado exclusivamente aos assuntos relacionados à homossexualidade e possui um arquivo e uma biblioteca de tal monta que ele pode ser considerado um centro de pesquisa. Estudiosos e curiosos encontram ali publicações próprias do Schwules Museum com a história cotidiana dos grupos homossexuais e do movimento que deles surgiram.
Ao lado de Paris, Londres, Viena, Amsterdã e Roma, Berlim é uma das metrópoles europeias nas quais, desde 1700, é documentada a existência de um 'submundo' homossexual, com seus pontos de encontro, suas modas e até mesmo suas formas de falar. Essa riqueza cultural surge a partir da necessidade de se sobreviver como homossexual a uma cultura mainstream, geralmente preconceituosa ou indiferente.
Com fotos, roupas da época e documentos de todos os tipos, a mostra permanente revela como os homossexuais - sobretudo aqueles que tiveram a sorte de nascer em berço burguês – encontraram através desses círculos da Berlim do século XIX maneiras de expressar a sua admiração por pessoas do próprio sexo.
Mas, boa parte do exposto no Schwules Museum ilustra o 'paraíso' que a Berlim da República de Weimar representou para os homossexuais nos anos 20, quando surgiram os primeiros filmes e revistas homossexuais do mundo. Foi nesse solo político-cultural que se organizou um movimento que não temia expressar-se.
Nazismo
Apesar de inicialmente ser respeitada nos quartéis da SA de Ernst Roehm (uma das organizações paramilitares do movimento nacional-socialista), a homossexualidade passou logo a ser reprimida, sendo os próprios SA lançados em campos de concentração nazista por sua orientação sexual.
Pesquisadores recopilaram testemunhos de sobreviventes, sobretudo do campo de Sachsenhausen, aos arredores de Berlim, onde se calcula que morreram pelo menos 600 homossexuais, de acordo com o responsável de comunicação do museu, Gerrit Rohrbacher.
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Prisioneiros marcados com o triângulo rosa para indicar o motivo de sua prisão: homossexualidade 
O Schwules Museum também aborda os acontecimentos pós-guerra, tais como a vida gay na extinta República Democrática da Alemanha (RDA) e a luta no Oeste pela supressão do parágrafo 175 do Código Penal, que castigava a homossexualidade, e que era baseado em uma lei prussiana de 1851, assumida pela Alemanha do pós-guerra em 1949 e recrudescida pelos nazistas. O parágrafo 175 foi o cavalo de batalha do movimento homossexual alemão, que obteve sua eliminação em 1994, ou seja, quase cinquenta anos depois que os nazistas assinaram sua rendição, selando o fim da Segunda Guerra Mundial.
Enquanto judeus e outros sobreviventes dos campos de concentração recebiam apoio governamental e reparações, os gays sobreviventes ao massacre ainda tinham que esconder sua dor, porque a lei continuava criminalizando seu afeto. Como reparar ou apoiar alguém que foi preso com base no código penal (parágrafo 175)? Sobre esse assunto, é indispensável a leitura do recém-lançado livro de um homossexual sobrevivente dos campos de concentração nazista, “Eu, Pierre Seel, Deportado Homosseuxal”, Editora Cassará, Rio de Janeiro, 2012.
A eliminação do parágrafo 175 foi uma vitória importante, mas tardia para aqueles que foram obrigados a ostentar o triângulo rosa, sinal de encarceramento por ser homossexual.
Nos Estados Unidos
A década de sessenta foi marcada pela revolução nos costumes e no comportamento de amplos setores da sociedade em vários países capitalistas. O ano de 1968 entrou para a história como o ano da rebeldia estudantil. Já 1969 é um marco para a luta pelos direitos dos homossexuais. Em 28 de junho daquele ano, a polícia de Nova York promoveu uma de suas costumeiras batidas em um bar frequentado por homossexuais, o bar Stonewall, em Greenwich Village. Mas, desta vez a história foi bastante diferente das anteriores. Cansados das humilhações e perseguições, os homossexuais que estavam no bar, liderados por travestis, resistiram à polícia, trancando-os dentro do bar e ateando fogo ao recinto. A batalha que tinha pedras e garrafas como armas, e envolveu milhares de pessoas, prolongou-se durante toda a madrugada do dia 28 e nas quatro noites posteriores.
No primeiro aniversário da rebelião, 10 mil homossexuais, provenientes de todos os estados norte-americanos marcharam sobre as ruas de Nova York, demonstrando que estavam dispostos a seguir lutando por seus direitos. Desde então, “28 de junho”  é considerado o Dia Internacional do orgulho Homossexual.
Concomitantemente, o fundamentalismo religioso sofria um golpe em seu próprio terreno. Surgia uma das maiores denominações cristãs do mundo, porém com uma visão inclusiva que não apenas aceitava, mas celebrava a diversidade sexual, tanto no corpo da igreja como no ministério eclesiástico. Tratava-se da Metropolitan Community Church (Igreja da Comunidade Metropolitana), cujo início se deu a partir de um culto no subúrbio de Los Angeles em 1968, sob o comando do Pr. Troy Perry. Atualmente, a Igreja da Comunidade Metropolitana conta com 43.000 membros e agregados em mais de 300 congregações em 22 países. Troy Perry, porém, não foi o primeiro pastor a rever o método de interpretação das escrituras cristãs.
O pioneirismo teológico fica por conta de Cânone Derrick Sherwin Bailey (1910-1984), que foi o primeiro estudioso a reavaliar entendimento tradicional das proibições bíblicas sobre a homossexualidade. Ele foi clérigo e cônego residente da Catedral de Wells [em Somerset, Inglaterra]. Embora não fosse um teólogo ou pesquisador acadêmico da Bíblia em tempo integral, após a Segunda Guerra Mundial ele liderou um pequeno grupo de clérigos anglicanos e médicos para estudar a homossexualidade. Suas conclusões foram publicadas em um relatório em 1954, chamado The Problem of Homossexuality (O Problema da Homossexualidade) produzido para a Igreja da Inglaterra [Igreja Anglicana] e tiveram influência moderadora no subsequente posicionamento da igreja nos assuntos morais levantados pela homossexualidade. O trabalho de Bailey e seus colegas também abriu o caminho para o progressivo [relatório] Wolfenden Report (1957), que foi seguido uma década depois pela descriminalização da conduta homossexual entre adultos consensuais na Inglaterra e País de Gales.
Como um projeto separado resultante desse trabalho, ele ocupou-se em um estudo histórico que resultou na publicação de seu livro pioneiro fundamental “Homosexuality and the Western Christian Tradition” [='homossexualidade e a tradição cristã ocidental']. Embora esta monografia tenha sido criticada, mesmo assim ela foi um ponto de referência neste assunto, combinando a investigação minuciosa das evidências bíblicas com um levantamento da história subsequente. O livro de Bailey chamou atenção para vários assuntos negligenciados, como registros/testamentos de heranças (intertestamental literature), legislação de imperadores cristãos, registros penitenciários, e a correlação entre heresia e sodomia. Desde então a sua obra foi superada por análises mais extensivas por acadêmicos especializados na Bíblia; mas seu trabalho teve uma influência importante nas primeiras obras por historiadores que se seguiram (por exemplo, John Boswell com “Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality” [='cristianismo, tolerância social, e homossexualidade'], e Mark D. Jordan com “The Invention of Sodomy in Christian Theology” [='a invenção da sodomia na teologia cristã'], e acadêmicos com especialização bíblica, como William Countryman com seu livro “Dirt, Greed, and Sex” [=sujeira, ganância, e sexo']).
Também foi importante por influenciar as conclusões do British Wolfenden Report [='relatório wolfenden britânico'], o qual levou à descriminalização da homossexualidade no Reino Unido, e mais tarde às deliberações da Igreja Anglicana sobre o assunto.
Atualmente, não somente as igrejas chamadas inclusivas, como é o caso da Igreja da Comunidade Metropolitana, mas até mesmo algumas igrejas tradicionais como a Igreja Presbiteriana americana já tem pastor assumidamente homossexual atuando no ministério. Este é o caso de Scott Anderson, o primeiro pastor presbiteriano reconhecidamente gay, que foi ordenado em 08 de outubro de 2011. Antes deles, porém, a Igreja Episcopal já tinha consagrado o primeiro bispo episcopal gay dos EUA, o bispo Gene Robinson, em novembro de 2003, seguido de uma bispa assistente e assumidamente lésbica, a Reverenda Mary Glasspool em dezembro de 2009. Diversas outras denominações têm se aberto para discutir a inclusão de ministros gays em seus quadros, bem como a celebração de casamentos e outras práticas religiosas comunitárias.
Isto, porém, não é exclusividade do cristianismo protestante, visto que outras religiões tradicionalmente antipáticas aos homossexuais estão revendo seus conceitos e se tornando mais solidárias às demandas dessa parcela da população. Este é o caso dos judeus e dos muçulmanos, tanto Imãs quanto seguidores. Até mesmo o catolicismo que é um dos mais ferrenhos perseguidores de homossexuais da história, tendo inclusive torturado e assassinado inúmeros homossexuais através dos tribunais da Inquisição, não consegue evitar o fluxo da história e o apelo que os direitos fundamentais dos seres humanos exerce sobre seus sacerdotes (vide Frei Betto e Frei Gilvander Moreira e a freira americana Margaret A. Farley), além de organizações para-eclesiásticas que mobilizam seguidores.
Voltando às mobilizações e manifestações dos anos 70, vale ressaltar que estas resultaram no surgimento de centenas de organizações de gays e lésbicas, e que estas organizações obtiveram importantes conquistas como as seguintes:
1. Fizeram a Associação Nacional de psiquiatria rediscutir a classificação dos homossexuais como doentes;
2. Impuseram fim à proibição de homossexuais nos serviços públicos em diversas cidades e estados;
3. Obtiveram a anulação de leis que puniam criminalmente a sodomia em dezoito estados dos EUA;
4. Conseguiram a aprovação de leis em várias cidades proibindo a discriminação nos locais de trabalho e moradia.
Porém, os avanços conquistados no início da década foram sistematicamente atacados durante o decorrer dos anos 70 e 80. O aprofundamento da crise econômica mundial abriu espaço para um discurso conservador que fez com que muitas leis anti-discriminatórias fossem revogadas apesar da resistência dos grupos organizados e da comunidade homossexual em geral. Um dos exemplos mais importantes desse embate se deu em Miami, na Flórida, em 1977. A derrota de uma lei em defesa dos direitos homossexuais levou centenas de milhares de pessoas às ruas. Já em São Francisco, 250.000 pessoas saíram às ruas em protesto contra os ataques aos direitos homossexuais e para repudiar o assassinato de um membro da comunidade por três adolescentes.
Na medida em que a onda conservadora avançava e os direitos legais eram retirados, aumentavam também os ataques físicos aos homossexuais. O caso mais famoso foi sem dúvida o assassinato de Harvey Milk, em São Francisco, o primeiro vereador assumidamente gay eleito nos EUA.
Em novembro de 1978, um ex-policial e vereador, Dan White, assassinou Milk e o prefeito da cidade dentro da própria prefeitura. O assassinato provocou uma onda de manifestações em nível nacional e internacional, que teve seu ápice em maio do ano seguinte, quando White, apesar de todas as evidências, recebeu a sentença mínima (oito anos, com direito à liberdade condicional depois de cinco).
Diante deste resultado, 10 mil pessoas se concentraram na frente da prefeitura para protestar. A manifestação evoluiu rapidamente em um violento confronto com a polícia que teve como saldo 119 feridos (entre policiais e manifestantes), danos generalizados no prédio da Prefeitura e vários carros queimados. A revolta dos manifestantes foi ainda maior diante dos policiais que os atacavam aos berros dizendo que era chegada a hora de “limpar a cidade” e retoma-la das mãos dos “veados”. Atualmente, policiais do departamento de polícia de San Francisco, não apenas respeitam a população LGBT, como alguns deles ainda produziram um vídeo para a campanha It Gets Better, no qual falam a jovens LGBT a partir de sua própria experiência de superação do preconceito homofóbico.
Desde a eleição (e o injustificável assassinato) de Harvey Milk, novas vitórias foram conquistadas, mas sempre ao preço de embates com políticos ultraconservadores e religiosos fundamentalistas. A mais recente vitória foi a aprovação do casamento gay em diversos estados americanos, a suspensão da política do “Não Pergunte, Não Fale” nas Forças Armadas – o que garante que o militar homossexual não seja discriminado por causa de sua sexualidade -, e dois discursos do Presidente Barack Obama – um para jovens LGBT, encorajando-os a resistirem firmes contra o bullying homofóbico que tem estimulado o suicídio de vários deles; e outro sobre a legitimidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mandando um recado importante para a nação e para o mundo sobre os direitos civis da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais, Travestis, e Intersexo).
No Brasil
Historia do Movimento LGBT Brasileiro
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Histórico do movimento Homossexual Brasileiro de 1978 a 1991
28 de Junho de 1969 é a data que marca o início do moderno movimento gay mundial, graças ao conflito no Bar Stonewall em Nova York, conforme mencionado anteriormente. Assim, o dia 28 de Junho ficou mundialmente conhecido como o "Dia Internacional do Orgulho Gay e Lésbico". Atualmente, fala-se em Orgulho LGBT (ou até mesmo LGBTI) para ampliar a noção de diversidade sexual e de gênero.
No Brasil, os desdobramentos foram diversos. Em 1978 foi fundado o jornal O Lampião, o principal veículo de comunicação da comunidade homossexual. Em Março de 1979, surgia em São Paulo o primeiro grupo brasileiro de homossexuais organizados: o Somos. Depois deste, surgiram o Somos/RJ; o Grupo Gay da Bahia; o Dialogay de Sergipe; o Atobá e Triângulo Rosa no Rio de Janeiro; o Grupo Lésbico-Feminista de São Paulo; o Dignidade de Curitiba; o Grupo Gay do Amazonas; o Grupo Lésbico da Bahia; e assim por diante. 
Em 1980 foi realizado em São Paulo, o 1° Encontro Brasileiro de Homossexuais. Quatro anos mais tarde, em 1984, realizou-se 2º EBHO (Encontro Brasileiro de Homossexuais) em Salvador. Onze anos depois (1995), Curitiba recebia o VIII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis. Neste ano, o Movimento Homossexual Brasileiro já contava com aproximadamente 50 grupos, espalhados pelo território nacional, incluindo quatro grupos de lésbicas, quatro grupos de travestis e o recém-fundado Grupo Brasileiro de Transexuais (Cuiabá), o primeiro do gênero na América do Sul.
Porque os homossexuais se organizam em grupos?
Um grupo homossexual funciona como uma espécie de sindicato para defesa da categoria, reunindo forças para lutar contra a discriminação e pressionar o poder público a garantir os direitos de cidadania dos gays, lésbicas, travestis e transexuais. Os bissexuais no Brasil ainda são tímidos quanto à mobilização, mas nos EUA e na Europa, eles formam organizações atuantes.
Basicamente, são três os objetivos do Movimento Homossexual Brasileiro: lutar contra todas as expressões de homofobia (intolerância à homossexualidade); divulgar informações corretas e positivas a respeito da homossexualidade; conscientizar gays, lésbicas, travestis e transexuais da importância de se organizarem para garantirem plenos direitos civis e políticos. 
Os grupos homossexuais funcionam através de reuniões onde seus membros e visitantes discutem informalmente sobre os principais problemas do dia a dia de suas comunidades, planejam ações de divulgação de seus objetivos, além de funcionarem como grupo de apoio no processo individual de cada homossexual na conquista de sua autoestima, divulgando informações e estratégias de prevenção da AIDS e das demais DST.
O Movimento Homossexual Brasileiro tem apenas duas décadas de existência, mas tem obtido importantes vitórias no reconhecimento dos direitos humanos dos gays, das lésbicas, das travestis e das transexuais. Uma dessas vitórias foi registrada em 1985, quando o Conselho Federal de Medicina declarou que a homossexualidade não mais poderia ser classificada como "desvio e transtorno sexual". Outra vitória foi em 1989, quando se deu a inclusão de proibição contra a discriminação por orientação sexual no Código de Ética dos Jornalistas. Em l990, nas leis orgânicas de 73 municípios e nas constituições dos Estados de Sergipe, Mato Grosso e Distrito Federal, foi incluída a expressa proibição de discriminar por orientação sexual. Denúncias de violação dos direitos humanos e assassinatos de homossexuais foram publicados no Relatório Anual do Departamento de Estado dos Estados Unidos (1992). Em 1995 realizou-se no Brasil a 17ª Conferência da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, (ILGA). Foi também em 31 de janeiro de 1995, na cidade de Curitiba, Paraná, que a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis) foi criada para lutar pelos direitos humanos e civis de gays, lésbicas e travestis, estendendo-se também aos transexuais e transgêneros. O objetivo da ABGLT, conforme sua Carta de Princípios, é lutar pela promoção da livre orientação sexual, pela liberdade, justiça social, democracia, pluralidade e diversidade de gêneros. A ABGLT disponibiliza os contatos de organizações que oferecem apoio jurídico e psicológicoà população LGBT.
De lá para cá, várias conquistas civis têm sido registradas, sendo a mais valiosa o reconhecimento das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo em plena igualdade com as uniões civis entre pessoas de sexo diferente. A decisão foi do Supremo Tribunal Federal em maio de 2011, e foi recebida como um grande avanço no que diz respeito aos direitos civis da população LGBT do Brasil.
Em nível estadual, o Rio de Janeiro é atualmente o mais inclusivo para a população LGBT, graças à gestão do Governador Sergio Cabral, que criou a Superintendência de Direitos Individuais Coletivos e Difusos (SEASDH), cujo Superintendente é Cláudio Nascimento, um dos mais atuantes militantes gays do Brasil, com grande experiência, tendo sido por muitos anos presidente do Grupo Arco-Íris (sediado no Rio de Janeiro), atualmente presidido por Júlio Moreira. Um dos pontos fortes da SEASDH é a campanha Rio sem Homofobia, que promove várias ações de combate ao preconceito e à discriminação contra LGBT, bem como ações de inclusão desse segmento, promoção da cultura LGBT, e conscientização dos servidores públicos sobre temas relevantes para essa parcela da população. Os principais campos de ação incluem educação, saúde, segurança, cultura, meio ambiente e administração penitenciária. A SEASDH também mantém Centros de Referência LGBT na cidade do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Friburgo, Niterói, e está preparando outros para inauguração em breve. Além de serviços prestados gratuitamente na área jurídica, psicológica e de assistência social, os Centros de Referência ainda mantém um serviço permanente denominado Disque Cidadania LGBT (0800 0234567) que oferece todo tipo de orientação e apoio a essa parcela da população carioca e fluminense.
A mobilização das organizações civis e o diálogo com os representantes políticos e instituições governamentais teve seu ponto alto na I Conferência Nacional LGBT, convocada (em 2008) pelo então Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva. A II Conferência Nacional LGBT foi realizada em 2011. Apesar disso, porém, o Congresso Nacional e o Senado Federal ainda não aprovaram o casamento igualitário ou o projeto de lei que criminaliza a homofobia no Brasil. Ambas as leis já foram reconhecidas em outros países da América Latina, tais como o Chile, onde homofobia é crime atualmente, e Argentina, onde o casamento não discrimina mais o sexo dos nubentes.
Com o advento da Internet com seus sites, blogs, redes sociais etc., o Movimento LGBT Brasileiro ganhou novos contornos, deixando de ter sua agenda construída apenas pelas organizações não-governamentais ou os chamados ‘grupos gays’, que sentem “o pulso” da comunidade LGBT quanto às suas demandas, a partir de diferentes interações e novas possibilidades de observação social. Isso significa que atualmente, a sociedade civil – com sua individualidade reforçada pela livre comunicação proporcionada pela Internet – também participa do Movimento LGBT Brasileiro.
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Algumas datas marcantes para a população LGBT do Brasil
1500: Ao desembarcarem no Brasil, os portugueses ficam admirados com os índios praticantes do "abominável pecado de sodomia";
1547: Chega ao Brasil Estêvão Redondo, considerado o primeiro homossexual degredado para o Brasil;
1821: É extinta a inquisição, eliminando-se a pena de morte contra os sodomitas;
1830: Entra em vigor o Código Penal do Império Brasileiro, que exclui o crime de sodomia;
1978: Fundação do Somos, primeiro grupo em defesa dos direitos LGBT do Brasil;
1980: Fundação do Grupo Gay da Bahia, em Salvador, o mais antigo grupo LGBT ainda em funcionamento na América Latina;
1983: No dia 19 de agosto, as lésbicas que frequentavam o Ferro’s Bar, em São Paulo, revoltaram-se contra a discriminação que as ativistas do Grupo de Ação Lésbico-Feminista (GALF) sofriam no local. A ocupação do bar é considerada o “Stonewall brasileiro“.
1985: O Conselho Federal de Medicina retira o homossexualismo da classificação de doenças;
1989: as constituições dos estados de Mato Grosso e Sergipe explicitamente proíbem discriminação contra orientação sexual.
1993: Estreia do Festival Mix de Cinema e Vídeo da Diversidade Sexual, realizado por André Fisher, depois de ter sido convidado pelo New York Lesbian and Gay Experimental Film Festival, que decidiu ampliar seu alcance para outros países. Depois disso, o Departamento de Cinema do Museu da Imagem e do Som decidiu sediar uma edição brasileira do festival, que ganhou o nome de I Festival Mix Brasil e estreou no dia 5 de outubro de 1993. Este ano (2012), o Festival está realizando sua 20ª edição.
1995: É fundada a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABLGT), em Curitiba, a maior entidade em defesa dos direitos LGBT da América Latina;
1995: Marta Suplicy propõe o projeto de lei 1151, relativo à união civil;
1995: Primeira Parada do Orgulho Gay de Copacabana (hoje, Orgulho LGBT)
1997: Primeira Parada do Orgulho Gay de São Paulo (hoje, Orgulho LGBT). Foram realizadas 54 Paradas do Orgulho LGBT no Brasil em 2011.
2000: O INSS é obrigado pela justiça federal a conceder, em todo o país, pensão por morte e auxílio-reclusão ao companheiro homossexual;
2004: O Rio Grande do Sul determina aos cartórios de Títulos e Documentos que registrem uniões homoafetivas;
2006: É sancionada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), a primeira lei federal no país a prever expressamente a união homoafetiva (feminina);
2008: É convocada a I Conferência Nacional LGBT pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva;
2008: O dia 19 de agosto foi marcante para a comunidade transexual, pois desde então, o SUS passou a oferecer a cirurgia de transexualização. Quatro hospitais universitários foram os pioneiros: Hospital de Clínicas de Porto alegre (UFrGS), Hospital Universitário Pedro Ernesto (Universidade estadual do rio de Janeiro), Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Hospital das Clínicas (Universidade Federal de Goiás).
2010: Jean Wyllysé eleito deputado federal, sendo o primeiro parlamentar assumidamente gay e publicamente comprometido com a defesa dos direitos LGBT na Câmara dos Deputados.
2010: O Ministério da Fazenda, através de uma portaria, estendeu o direito de declaração conjunta para os casais homoafetivos.
2011: A presidente Dilma Rousseff convoca a II Conferência Nacional LGBT;
2011: O STF equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo à de união estável. Ficam assegurados diversos direitos, tais como direito à pensão alimentícia em caso de separação, divisão dos bens, pensão do INSS em caso de morte do segurado, entre outras coisas. Por estarem sujeitas à Constituição, conforme palavras do próprio Ministro das Forças Armadas, Nelson Jobim, em 07 de maio de 2011, todos os direitos assegurados pela decisão do STF estão igualmente garantidos para os casais homoafetivos, nos quais um ou dois parceiros estejam nas forças armadas, exatamente como se dá com os militares heterossexuais vivendo sob o mesmo regime.
2012: São Paulo anuncia para 2013 a inauguração do primeiro museu gay da América Latina. O espaço deverá ser construído na estação República do Metrô. O Centro Cultural Memória e Estudos da Diversidade Sexual do Estado de São Paulo terá 150 metros quadros e sua função será o resgate da história do movimento gay em São Paulo. Atualmente, as únicas cidades que têm museus semelhantes são Berlim e São Francisco. Será, sem dúvida, um importante referencial para os interessados na história e na cultura LGBT e sua relação com a maior cidade do Brasil.
Para onde vai o Movimento LGBT?
As duas grandes demandas atuais do Movimento LGBT e da comunidade LGBT são o casamento igualitário e a criminalização da homofobia. As duas coisas estão ligadas, pois não é possível viver uma relação conjugal plena se a homofobia dos desafetos agride e mata os LGBT ao menor sinal de homoafetividade. Por outro lado, a mera preservação da vida não garante a liberdade de amar a quem se deseja. Levando em conta que a união civil já garante a maior parte dos direitos que um casamento pode assegurar, muitos homossexuais consideram a criminalização da homofobia mais urgente. De qualquer modo, ambas as demandas são legítimas e merecem a carinhosa atenção dos legisladores e a constante pressão da sociedade para que se efetivem o mais rápido possível.
Com a vitória da cidadania, toda a sociedade sai ganhando, porque quanto mais justa e igualitária for uma nação, mais próspera e feliz, ela será. Garantir direitos a essa parcela da população não é subtrair direitos a ninguém. Por isso, não se justifica a perseguição dos poucos, porém barulhentos, oponentes que ainda se agarram a conceitos ultrapassados e muitas vezes arraigados em preconceitos sem o menor fundamento.
O Movimento LGBT deve muito às organizações não-governamentais que atuam no âmbito político e precisa continuar apoiando essas organizações e contando com elas. Porém, o Movimento LGBT não se restringe às ONGs. Ele é composto por uma rede de iniciativas que incluem acadêmicos, escritores, artistas, atores, produtores de cinema e de teatro, empresários que investem no mundo do entretenimento e do chamado turismo LGBT, publicações periódicas como revistas e jornais, livros, música, religiões atualmente denominadas inclusivas, livres pensadores, ateus, políticos eleitos, sites, blogs, grupos em redes sociais, e por aí vai. São pessoas que como quaisquer outras constroem suas biografias de acordo com seus afetos, identidades e sonhos. Cada uma dessas pessoas precisa estar consciente do seu papel e unir forças na promoção da cidadania plena para todos, sem distinção de orientação sexual, identidade de gênero, raça, sexo, religião etc. Entretanto, sem as organizações que apresentam aquelas demandas que muitas vezes passam longe da atenção da mídia, não conseguiríamos estabelecer definitivamente a cidadania LGBT plena. Veja AQUI quanta coisa está envolvida nisso e por que devemos apoiar o Movimento LGBT organizado.
Levando em conta que este texto está sendo publicado no site oficial de uma organização que reúne humanistas ateus e agnósticos, vale ressaltar que quando o LGBT é ateu, ele sofre ainda mais preconceito, porque além da homofobia, ele também sofre a “ateofobia”. E por serem alvo de preconceito e discriminação, os ateus e agnósticos compartilham um lugar comum com os LGBT.
Por isso, 28 de junho é o Dia do Orgulho LGBT e deve ser celebrado não só por pessoas homoafetivas, mas por todos os que amam a liberdade e valorizam a individualidade humana na coletividade do que chamamos humanidade. Todos os que aspiram à igualdade de direitos respeitando a diversidade dos seres. Enfim, todos os que consideram a felicidade humana como um valor. E é por isso que ninguém mais do que os humanistas pode dizer: Viva a diversidade humana, inclusive sexual e de gênero! Viva 28 de junho - o Dia do Orgulho LGBT!
* Sergio Viula é Presidente do Conselho LGBT da LiHS, Liga Humanista Secular do Brasil
ILUSTRAÇÕES:

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Derrick Shewin Bailey, Teólogo Gay Pioneiro 

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Harvey Milk, primeiro vereador americano assumidamente gay – São Francisco, Califórnia 

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Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB) 

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Deputado Jean Wyllys

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Toni Reis (à esquerda), presidente da ABGLT e seu marido David Harrad celebrando sua união civil 

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Cláudio Nascimento Silva (Superintendente da SEASDH) e João Silva, casados 

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André Fischer – Mix Brasil

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João Nery – o primeiro transhomem do Brasil 

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Roberta Close – a mais famosa transmulher do Brasil 

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Jane di Castro – canta o hino nacional há quinze anos na abertura da Parada do Orgulho LGBT de Copacabana (Rio)

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Nany People – uma das mais famosas drag queens do Brasil 

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Julio Moreira, coordenador do Grupo Arco-Íris no Rio de Janeiro 

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Miriam Martinho, uma das primeiras militantes lésbicas do Brasil 

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O museu alemão que relembra as vítimas gays do holocausto e celebra a diversidade sexual
PARADA/ORGULHO GAY
Parada do Orgulho LGBT de São Paulo

VIDEO COM O SECRETÁRIO GERAL DA ONU – BAN KI-MOON

LiHS cria Conselho de Ética Inter-Espécies

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Conselho de Ética Inter-Espécies da Liga Humanista Secular


Douglas Oliveira Donin - Advogado, especialista em Direito Internacional e Acadêmico de Economia – UFRGS


Luciana Rodrigues Vasconcellos - Acadêmica de Psicologia - UEMG


Criança em Urubamba, Cusco, Peru. Por peace ken

O que é o Conselho Inter-Espécies?

O Conselho de Ética Inter-Espécies vem suprir uma lacuna na Liga Humanista Secular do Brasil, que atualmente conta com conselhos para questões eticamente relevantes como direitos LGBT e questões de gênero. É uma iniciativa inovadora, pois não temos notícia de uma representação assim em associações seculares de outros países, e também por vivermos em uma sociedade que, embora progressivamente abandone  alguns critérios  discriminatórios, tarda e reluta em questionar outros.


Exatamente para preencher tal lacuna, atendendo a uma clara demanda de uma crescente proporção do movimento humanista - o qual frequentemente ocupa a vanguarda do posicionamento ético em relação ao pensamento padrão da sociedade -, é com satisfação que damos início ao Conselho de Ética Inter-Espécies. Este conselho se ocupará das questões éticas envolvendo a espécie humana no seu relacionamento com as demais espécies, em uma postura de igual consideração de interesses. Nossas metas são:


  • Contribuir para a criação de um modelo ético de ampla e irrestrita aplicação, para o qual seja irrelevante a denominação da espécie à qual pertença o sujeito ético, mas sim, as características e atributos de cada sujeito ético relevantes ao problema específico;

  • Contribuir para a ampliação da consciência ética dos membros da LiHS,  no que se refere a uma maior reflexão acerca das relações que os seres humanos mantém com seus co-espécificos, inter-específicos e para com o planeta;

  • Prestar assessoria à LiHS sobre o tema das relações éticas inter-espécies;

  • Trazer aos membros da LiHS a teoria e literatura especializada no problema filosófico da ética inter-espécies, principalmente divulgando o desenvolvimento internacional da questão;

  • Contribuir nas publicações e eventos da LiHS sobre a importância da ética inter-espécies.


O significado dos termos “humano” em “humanismo”.


Pode causar, em um primeiro contato com o tema, estranheza aos olhos do leitor que um grupo “humanista” preocupe-se com “inter-especismo”. Afinal, por um dos termos, parece ser eleita a espécie humana como pilar central do universo moral, e, por outro, parece se negar tal priorização do humano. Como pode ser o humanista outra coisa senão um defensor da soberania do humano, enquanto objeto primordial de consideração ética? Como primar pelo humano pode não ser, automaticamente, uma forma de “especismo”?


Vamos tratar antes de tudo deste questionamento, que corre o risco de aflorar de um simples - e de fácil solução, diga-se - acidente terminológico. Por que o “humanista” é um ferrenho defensor, e, ao mesmo tempo, deveria ser um ferrenho adversário, do papel central do “humano” no universo moral? Para começar a responder esta questão, vamos nos perguntar qual o significado do “humano” em “humanismo”.


As filosofias humanistas pregam, em suas várias vertentes, o humano como centro das preocupações filosóficas. Desde o renascimento, o humanismo é ligado às idéias de antropocentrismo e de racionalismo. E isso - saber exatamente o que é este antropocentrismo, principalmente iluminado pelo valor concomitante do racionalismo - pode começar a nos ajudar a resolver a questão do significado do “humano” em “humanismo”.


Surgidas em oposição à teologia, ao misticismo e ao teocentrismo medieval, onde só haviam dois atores no cenário moral, o “humano” (o natural) e o “divino” (o sobrenatural), as várias vertentes de filosofia humanista foram, antes de um movimento de elevação do próprio ser humano perante todas as outras coisas, um movimento de elevação do ser humano perante o divino e o sobrenatural, uma negação do papel destes como fonte e objeto de consideração moral. Ou seja, uma eleição do natural perante o sobrenatural.


Percebemos, então, que a reivindicação do natural como centro das preocupações filosóficas nos exige uma reavaliação dos critérios que devemos considerar no pensamento moral. Em um primeiro momento, trata-se da busca de fundamentos concretos, intrínsecos ao próprio mundo natural, de atributos ou características que tornem um dado paciente moral digno de um certo tratamento moral adequado. E isso, no que se refere à própria humanidade, fazemos com relativo sucesso: poucos são os que, hoje, séculos após o renascimento, negam a mesma essência moral - logo, dignidade para os mesmos direitos morais - aos diferentes humanos (embora ainda exista larga margem para melhorias, principalmente nas questões ligadas ao sexo ou ao comportamento sexual).


Mas o que nos interessa, para efeitos desta discussão, é um segundo efeito desta mudança de paradigma: desistindo de justificativas sobrenaturais, o homem abre mão de um papel semi-divino a ele atribuído pelas narrativas místicas. Não podendo mais falar em si mesmo como “centro da criação”, e buscando na própria realidade, e não em uma suposta filiação divina, a razão de seus direitos morais, o homem percebe-se compartilhando, com todos os outros componentes do mundo natural - independente de quaisquer classificações, seja de que ordem forem - uma mesma série de potenciais direitos morais, oriundos dos mesmos atributos, na medida e na exata proporção em que, com estes outros componentes do mundo natural, partilha tais atributos.


Ou seja, uma ética inter-específicanada mais é do que uma aplicação coerente e irrestrita dos princípios éticos tomados pelos humanistas como naturais e universais. Trata-se de simplificar a proposição “isto é bom para mim” para, unicamente, “isto é bom”: aplicar o mesmo conjunto de valores a quaisquer universo de sujeitos. É a reivindicação de um atributo universalista à ética e a rejeição da ideia de que diferentes interessados precisam de diferentes conjuntos de tratamentos éticos. Veremos, adiante e em futuras ocasiões, que isso não implica em igualdade de direitos.


O problema da definição dos componentes do espectro moral - quem é, de fato, sujeito de consideração moral, ou o que faz um indivíduo ser moralmente apreciável, enquanto outro não - é altamente complexo, apaixonante e, como todo problema moral, polarizador. A boa notícia é que, ao tratar do tema, não fazemos nada senão continuar um exercício de raciocínio ao qual já estamos bastante acostumados. Não há, essencialmente, problemas morais novos, e a linguagem e técnica filosófica necessária já nos é bastante familiar. Peter Singer, Gary Francione, Tom Reagan e J. M. Coatzee não utilizam, hoje, princípios ou argumentos muito diferentes do que, antes deles, muitos pensadores já utilizaram em diferentes ocasiões.


O problema da liberdade, por exemplo – “quem deve ter liberdade?”, ou “a quem é boa a liberdade?” - já foi alvo das considerações de Joaquim Nabuco, William Pitt, Frederick Douglas, Martin Luther King e muitos outros abolicionistas.  Estes se perguntaram: “faz sentido tratar um sujeito X com um conjunto de princípios diferentes, no que diz respeito à sua liberdade, apenas em função de sua cor?” A resposta a que chegaram foi de que sendo todos humanos e, como humanos, apreciadores da liberdade, não havia fundamento concreto para uma diferença de tratamento sobre algo que é, fundamentalmente, o mesmo interesse (o interesse de manter-se livre, o prazer que se extrai da percepção de liberdade e o sofrimento que se extrai da negação da liberdade).


A pessoa moralmente informada sobre questões interespecíficas, dotada de um pensamento universalista, despindo-se de posições privilegiadas, simplifica a questão: a liberdade não deve ser negada, então, a qualquer um capaz de conscientemente desejá-la. Mesmo que disso decorra prejuízo ou diminuição de prazer de alguém que, de uma posição privilegiada, analise a questão.


Apesar de fazer avançar o tema, o movimento abolicionista do final do século XIX e dos Direitos Civis dos anos 60, no entanto, não encerraram a questão da igual consideração de iguais interesses - que, daqui em diante, trataremos apenas pelo jargão filosófico “Princípio da Igual Consideração de Interesses”. Vencida a batalha dos abolicionistas ( obtida uma ampliação do universo de humanos aos quais são devidas considerações morais igualitárias, que resultou no fim da escravidão no mundo ocidental, embora não ainda no fim da discriminação) um outro conjunto de sujeitos indicava que, agora, era a sua vez de ter seus pleito solucionado. Stuart Mill, Lucretia Mott, Frances Willard e muitos homens e mulheres, por um fundamento análogo, já repetiam a mesma pergunta que os abolicionistas responderam: “faz sentido tratar um sujeito X com um conjunto de princípios diferentes apenas em função de seu sexo?”  O movimento sufragista, primeira manifestação da onda feminista, reivindicava para as mulheres (que, embora não sofressem restrições aos seus direitos tão severas quanto os escravos, com certeza não podiam gozar da mesma liberdade e plenitude, enquanto indivíduos, que as pessoas do sexo masculino) igual consideração em virtude dos mesmos interesses. Em resumo, também invocavam o Princípio da Igual Consideração de Interesses. A elas se opuseram, do mesmo modo que antes, o peso da tradição e argumentos de posição privilegiada de igual formatação, mas o pleito da “igual consideração para iguais interesses” era forte demais para ser ignorado. E assim, a fronteira ética se ampliava mais uma vez.


 A ética universalista impôs a aplicação do Princípio da Igual Consideração de Interesses a cada vez mais situações morais. Hoje, é travada uma batalha no campo dos direitos humanos sobre o fato de que homossexuais e heterossexuais, por possuírem uma série de interesses em comum - constituir um núcleo familiar, unir-se com quem escolheram, desfrutar da mesma condição legal - não devem ter tratamento diferenciado, o que há alguns anos era impensável. Muitos países se vêm às voltas com a aplicação do Princípio da Igual Consideração de Interesses em relação a diferente tratamento dado a nacionais e estrangeiros. O fato de possuir uma ou outra religião, ou não ser filiado a nenhuma em especial, também é atacado como fonte de discriminação moral. Mas há algo na filosofia universalista, que prega a aplicabilidade do mesmo conjunto de princípios morais a quaisquer sujeitos que compartilhem uma mesma massa de atributos, que diga que estes princípios só possam ser aplicados aos componentes de uma certa parcela de símios (que fundamentalmente não diferem substancialmente uns dos outros, no que diz respeito aos atributos relevantes à questão), dentre todos os possíveis componentes do mundo natural?


Parece extremamente ilógico - aliás, uma negação da própria pretensão de validade irrestrita de uma ética universalista - imaginar que sim. Nas palavras de Daniel Sottomaior Pereira, um dos primeiros humanistas brasileiros a defender, abertamente, o abandono da ideia de exclusivismo ético humano, “um círculo moral que inclua apenas nossa própria espécie é, como qualquer outro círculo convenientemente restrito a uns poucos à nossa volta, um círculo imoral. É uma forma de chauvinismo.”  E, justamente, a esta particular escolha de fundamento discriminatório, elegendo como limite para a consideração de interesses “apenas aqueles que possuem a mesma espécie que eu”, para manutenção de uma posição privilegiada, chamamos de “especismo”.



O que é especismo?


“Especismo” significa privilegiar os membros da nossa espécie em nossas decisões éticas. É, ao exemplo de outros critérios discriminatórios arbitrariamente eleitos, como por exemplo o critério de “raça” no racismo,  de “nacionalidade” na xenofobia ou “sexo” no sexismo,  considerar que existe uma linha divisória clara entre nós e as outras espécies, que há conteúdo objetivo em tal discriminação, e que isso permite ignorar os interesses - principalmente o interesse de não sofrer - de todas as outras espécies que não a do especista, a fim de obter benefícios pessoais ou compartilhados entre o próprio grupo discriminante, que obtém posição privilegiada.


São vários os obstáculos atuais impostos à ética interespécies. Talvez o maior deles seja o fato de que muitos ainda trazem consigo o preconceito, talvez derivado de uma visão mística de mundo, de que os seres humanos, independente de qualquer situação, “estão em primeiro lugar”, e que os problemas relativos aos animais não-humanos não são comparáveis, em termos morais, aos problemas humanos. Como veremos posteriormente, tais preconceitos não possuem fundamento objetivo - dificilmente o proponente de tal ideia ocupa-se de fornecer uma resposta ao porquê de apenas os interesses humanos serem dignos de consideração, apenas recorrendo a uma suposta obviedade da resposta  - e, como são praticamente uma reformulação em torno do conceito de espécie da afirmação “os problemas alheios não são tão importantes quanto os meus”, também não passam de um argumento de posição privilegiada. Para chegar a essa conclusão o indivíduo necessita acreditar que o sofrimento dos animais que não são da sua espécie - por mais que possam estar de fato sofrendo - é menos importante que o sofrimento de um animal de sua espécie, pelo fato de que ele compartilha de características arbitrariamente escolhidas (racionalidade, capacidade mental, etc.) que não se comunicam, ou que pouco se comunicam, com o problema em questão - que é justamente sofrer, derivado única e exclusivamente da capacidade de sofrer – mas que passam a ser o limite de seu horizonte moral. Sobre isso, Peter Singer faz uma comparação precisa: “O que pensaríamos se alguém dissesse "Os brancos vêm em primeiro lugar" e, portanto, a pobreza na África não constitui um problema tão grave como a pobreza na Europa?”.


Algumas questões sempre vêm a tona quando se fala em uma ética interespécies. Frequentes são as preocupações sobre o status ético humano, alcançado na igual consideração de interesses, ou se seria legítimo basear nossas decisões éticas somente com base no afeto e não com base na razão, ou sobre como seria o proceder ético não-especista. Elas serão resumidas e respondidas abaixo:


Por que  privilegiar os membros de nossa espécie é incoerente? Ao longo dos tempos buscou-se traçar uma linha divisória que nos distinguisse absolutamente dos outros animais. Até meados do século passado o ser humano era considerado, para todos os efeitos, um não-animal, de filiação divina, o que o separava de todo o restante da natureza. Outras tentativas de separação incluem, por exemplo, ser dotado de espírito, utilizar utensílios, fabricar utensílios, possuir linguagem, possuir raciocínio, possuir consciência. A existência de alma ou espíritos nunca foi comprovada cientificamente, e cada vez é menos invocada. Os outros critérios todos foram refutados: chimpanzés são capazes de fabricar utensílios e aprender a linguagem dos surdos, existem evidências de que golfinhos possuem linguagem complexa própria, comunidades de lobos parecem ser capazes de manter um tipo primitivo de justiça socialmente reforçada e a neurobiologia parece ser unânime ao apontar diferentes graus de raciocínio e consciência para diferentes animais. Atualmente, a linha divisória tem sido considerar que animais humanos são autoconscientes, possuem percepção temporal de passado e futuro, são autônomos capazes de fazer escolhas, mas tais atributos também não são exclusivos da espécie humana. E, mesmo que fosse, porque o fato de sermos dotados de autoconsciência, percepção temporal e autonomia, ou qualquer outro atributo arbitrariamente selecionado, justifica ignorar o sofrimento dos seres não dotados dessas características e usá-los sem preocupações éticas? Humanos com deficiência física ou mental muitas vezes não são autoconscientes, não possuem percepção do tempo passado ou futuro, não são autônomas e nem por isso diríamos que poderiam ser usadas em experiências científicas ou em trabalhos forçados para o bem do resto da humanidade. Justificar o sofrimento dos animais não humanos para quaisquer benefícios que tal sofrimento possa trazer à nossa espécie, com base unicamente  no critério de pertencerem à outra espécie é como justificar o sofrimento dos negros escravizados por pertencerem a uma raça distinta.

Não privilegiar a nossa espécie fará com que tratemos humanos deficientes, ou fisicamente diferentes, como tratamos atualmente os animais não-humanos? Essa pergunta, que invoca uma suposta utilidade do especismo para o próprio respeito aos direitos humanos, amplamente considerados, é interessante porque traz implícito o reconhecimento de que a forma como tratamos os outros animais não é ética. Ao reconhecermos que não há um abismo entre os animais humanos e não-humanos, e que, ao contrário, devemos elevar os próprios interesses, em si considerados, reforçamos não só o estatuto dos outros animais como também o estatuto dos humanos, reconhecendo seus direitos com base em um fundamento objetivo, maior do que justamente uma distinção arbitrária, ao invés de destituir os direitos humanos alcançados.


Sinto mais afeto por humanos do que por vacas. Basear as decisões éticas com base no afeto é justificado? Basear nossas decisões éticas somente com base no afeto pode trazer sérias consequências e incoerências. Muitas pessoas que gostam de cães ficam horrorizadas ao saber que existem países em que as pessoas se alimentam de cães e que, inclusive, eles sofrem com uma morte dolorosa - certamente, com base em uma especial relação afetiva com tais animais. No entanto, não parecem se preocupar com o sofrimento de porcos, vacas, chimpanzés ou outros animais com a mesma capacidade de sofrer, por não ter com eles uma ligação emocional tão forte. No entanto, o que essas pessoas diriam se um alguém preferisse salvar seus cães de uma enchente a seus vizinhos, porque gostam dos seus cães e mal conhecem seus vizinhos? Ou salvar  suas plantas? Ou o que diriam se os homofóbicos justificassem seu comportamento violento por que não gostam de gays? Com efeito, basear tais escolhas éticas com base no afeto é, no fundo, considerar o próprio interesse (o interesse de ver bem aqueles que para nós são importantes, em detrimento dos demais), o que não é uma forma de pensamento ético de ampla aplicação, visto que os interesses afetados, em si, não são considerados.

Não podemos sentir a dor do outro, então como sabemos que os animais sentem dor? Da mesma forma que sabemos que outros humanos sentem dor, também não podemos sentir a dor de outro ser humano, mas, em primeiro lugar, podemos deduzi-la pelo seu comportamento. Mesmo depois de aprender a falar e comunicar a sua dor os humanos reagem de forma semelhante aos outros animais diante da dor. Em segundo lugar, pelo estudo da Anatomia Comparada, porque possuímos um Sistema Nervoso Central, cujas áreas relacionadas à percepção da dor são antigas em termos evolutivos e semelhante à de outros mamíferos e aves. De qualquer forma, o simples fato de que buscam conscientemente evitar situações que gerem tais sensações, repudiando-as, demonstra, além do questionamento se aquela sensação é ou não dor, que há um claro interesse seu que tais sensações não sejam a eles impostas.


Se considerarmos que os animais sentem dor, deveríamos considerar que as plantas também sentem dor? As plantas não possuem Sistema Nervoso e por isso não são capazes de sentir dor ou de ter quaisquer interesses conscientes. Equiparar as necessidades éticas dos animais com as necessidades éticas das plantas, se é que elas as têm, com base unicamente no fato de que são ambos seres vivos, é negar que existam diferenças na necessidade de tratamento ético entre quaisquer seres vivos. Logo, matar um ser humano seria moralmente equivalente a matar uma planta qualquer, o que não possui fundamento.

  
Então em que poderíamos basear nossas decisões éticas sem sermos especistas?Refletindo sobre as consequências objetivas de nossas ações sobre interesses gerais, considerando igualmente os seus portadores, sejam animais humanos ou animais não-humanos - o que, como exploraremos em textos futuros, não implica em igualdade de interesses ou igualdade de direitos, mas em igualdade de condições de consideração - bem como as consequências mais extensas de nossas ações sobre o planeta. Steven Pinker, apoiado em um conceito de Singer, explica que cada vez mais expandimos nosso círculo de empatia: deixamos de nos preocupar somente com os membros de nossa família para nos preocupar com os membros de nossa tribo, enfim, deixamos de nos preocupar somente com os membros de nossa raça ou país e nos preocupamos com toda humanidade  (e assim criamos os direitos humanos), baseados na constatação que mesmo além do círculo atual há uma comunhão de interesses, idênticos ou análogos aos nossos. Agora estamos cada vez mais próximos de considerar, também o interesse dos animais não-humanos e a preservação do nosso planeta, fatores que já fazem parte essencial das considerações éticas diárias de uma parcela crescente da população mundial.


 O que é relevante para “ser uma pessoa”?


O senso comum geralmente utiliza o termo “pessoa” como sinônimo de ser humano. Às vezes, entretanto, “ser uma pessoa” parece ter um sentido diferente de apenas “ser da espécie humana”. Ao mesmo tempo, parece que garantir a necessidade de consideração ética envolve considerar um indivíduo enquanto pessoa, e, por isso, faz-se importante esclarecer o que queremos dizer com o termo “pessoa”, indagando o que isto realmente significa.


Para John Locke uma pessoa é um ser autoconsciente, ou seja, alguém que possui a consiência de si mesmo como uma entidade distinta, e  que possui noção do tempo com um passado e um futuro.  Nesta acepção muitos animais não podem ser considerados como “pessoas”, como também, bebês recém-nascidos e alguns seres humanos com deficiências mentais. Para Tooley somente seres autoconscientes, portanto “pessoas”, possuem o direito a vida. No entanto, podemos levantar outras razões para que seja um mal matá-los, e é geralmente o que todos fazemos e concordamos.


Tudo isso nos leva a pensar se a vida de um ser consciente e não autoconsciente possui algum valor, e como comparar o valor da vida deste ser com o valor da vida de uma pessoa. Devemos dar valor à vida consciente?


A principal razão para se valorizar a vida de um ser consciente é a sua capacidade de sentir dor ou prazer, considerando amplamente tais termos, além do evidente significado físico. Chamamos a isso, em todas as suas manifestações, de interesses, em um uso bastante especializado do termo. Se nós, enquanto pessoas, valorizamos o prazer que a vida é capaz de nos proporcionar - o prazer de comer, de manter relações sexuais, de estar livre para ir e vir - e valorizamos tais prazeres apenas em si considerados, não apenas porque são “prazeres de um ser humano”, por que não valorizar experiências semelhantes que os seres conscientes podem te, independentemente de suas nomenclaturas? E se somos capazes de sofrer a dor de uma pancada, um corte, se ser tolhidos de nossa liberdade e de nosso prazer de viver, é evidentemente ruim aos nossos olhos, de modo que fazemos o possível para poupar os demais seres humanos destes desprazeres, haveria justificativa moral para não alargar nossa consideração ética a todos os seres capazes de sentir o mesmo, na medida em que sentem o mesmo?


É justificado, pelas diferenças apresentadas acima, julgar que haja um mal maior em se matar uma “pessoa” do que um ser que não seja uma ”pessoa”. Mas, como vimos, se  ser da espécie humana não garante o status de pessoa, cabe perguntarmos: algum animal não-humano pode ser uma “pessoa”, ou seja, um ser que seja racional e tenha consciência de si mesmo como entidade distinta, com um passado e com um futuro?


Em uma pesquisa Allen e Beatrice Gardner conseguiram ensinar a linguagem de sinais dos surdos americanos a um chimpanzé, em frente ao um espelho. Quando perguntado sobre o que via, o animal não-humano respondeu prontamente que via a si mesmo. O mesmo resultado foi encontrado em gorilas. Sobre a noção de tempo, chimpanzés, gorilas e orangotangos, que aprenderam a linguagem de sinais, também usaram sinais para comunicarem que eles se lembravam de acontecimentos no tempo, como o dia do aniversário e a época em que os cientistas montavam a árvore de natal.


Tudo isto demonstra a fragilidade do raciocínio especista, que procura desensibilizar a capacidade natural de empatia dos seres humanos ante a estes fatos, para defender, em busca de maiores benefícios pessoais, que somente interesses de seres humanos merecem consideração ética, independentemente da consciência e da autoconcienciencia que os demais animais possam ter.


O humanismo é uma filosofia que valoriza a tomada de decisões morais não baseada em conceitos pré-estabelecidos, sendo que, no caso dos obstáculos à uma ética geral, universal, inter-específica, a maioria destes conceitos foram originados quando a ciência conhecia pouco sobre as capacidades animais e  ainda se acreditava que uma divindade haveria criado tudo o que existe, em todo o universo, para nossa livre exploração e exclusivo fruto. O Humanismo defende que nossas decisões éticas sejam tomadas através da razão e da empatia - o considerar o interesse de outro como se fosse seu - e, neste sentido, não há lugar para o especismo - nem para qualquer tipo de discriminação ou privilégio de posição - na filosofia Humanista Secular, sob pena de fazer ruir, pela incoerência, as bases do seu próprio pensamento.


 A capacidade de sentir dor ou prazer como marcador ético não-especista.


Ser capaz de sentir dor ou prazer - aqui considerados de modo amplo como sinônimos de mal-estar ou bem-estar, ou seja, condições que o próprio ser valora positiva ou negativamente, que aprecia ou rejeita) é um pré-requisito necessário para pensarmos nos interesses individuais de qualquer ser. Não faria sentido falar dos interesses de seres que não podem sofrer pelo mal-estar ou usufruir do bem-estar, porque nenhuma ação que podemos tomar poderá resultar em alteração do seu nível de bem estar.


Considerando apenas a dor física, que, sem dúvida, percebemos pela própria experiência humana como indesejável, nós, humanos e outros animais, tais como porcos, vacas, cães, aves, dentre outros, somos praticamente iguais. A área do nosso sistema nervoso ligada a percepção da dor (diencéfalo) é antiga em termos evolutivos e basicamente equivalente à de outros animais - especialmente mamíferos e aves. Se somos iguais na dor, haveria justificativa moral para não se considerar a dor de outro ser,  mesmo que de outra espécie? Mesmo que tal ser possua  capacidade racional diferente?

O princípio da igualdade de consideração de interesses exige que o nosso sofrimento seja igualmente considerado em comparação com outro sofrimento semelhante, ainda que tal sofrimento seja de um animal humano de outra etnia, de outra cor de pele, de outro sexo, ou ainda, de que seja de um animal não-humano. Qualquer outra característica que não a capacidade de sentir dor que tomarmos para julgar a questão, sob a ótica da igual consideração de interesses, seria arbitrária e inadequada. Se escolhermos a racionalidade como marcador, não só excluímos da nossa reflexão ética a consideração de espécies diferentes, como também excluímos pessoas com deficiência mental grave. Se escolhermos a cor da pele excluímos pessoas de cor diferente a nossa. A capacidade de sofrer é um imperativo para se deduzir quaisquer interesses no que se refere à geração e imposição de sofrimento.

Algumas pessoas ficariam ofendidas ao ser colocadas lado a lado com racistas e sexistas por privilegiarem os interesses de sua própria espécie,  uma vez que não julgam que algo tão tradicional e socialmente praticado como a desconsideração dos interesses e a imposição de sofrimento aos animais não-humanos seja algo digno de cogitação.  No entanto, isso ocorre, como lembra Peter Singer, em sua obra “Ética Prática”, porque:
 
Os racistas violam o princípio da igualdade, atribuindo maior peso aos interesses dos membros da sua própria raça quando existe um conflito entre os seus interesses e os interesses daqueles pertencentes a outra raça. Os sexistas violam o princípio da igualdade ao favorecerem os interesses do seu próprio sexo. Da mesma forma, os especistas permitem que os interesses da sua própria espécie dominem os interesses maiores dos membros das outras espécies. O padrão é, em cada caso, idêntico.

Porque falamos de igualdade de interesses e não de direitos? Tomemos o exemplo do movimento feminista. As mulheres têm  interesse no direito de abortar uma gravidez indesejada, não faria sentido conceder o mesmo direito aos homens, que não são capazes de usufruir do bem-estar que tal direito a eles traria. Por esse mesmo motivo devemos considerar que é do interesse de cães - mesmo que eles não verbalizem ou reivindiquem tal interesse- não serem abandonados nas ruas, pois isso lhes causa sofrimento, mas não faz sentido defender que possuem o direito de vestirem-se como nós, pois isso não tem implicações para o seu bem estar como tem para os humanos.

Dentre os obstáculos a um movimento de libertação animal, assim como o movimento negro, das mulheres e outros, está à ideia de nós, seres humanos, somos fundamentalmente distintos de outras espécies em um nível primordial. A nossa linguagem carrega esta ideia equivocada: consideramos animais desde chimpanzés a ostras, e pessoas nós, seres humanos - mesmo que estejamos em termos evolutivos ou comparativos muito mais próximos do chimpanzé do que o chimpanzé das ostras. Mesmo que identificássemos um marcador claro entre nós e os outros animais, dificilmente este marcador teria conteúdo ético, isto é, em nada justificaria ignorar o sofrimento e infligir dor desnecessária aos nossos semelhantes. Outro obstáculo está no fato de que os animais não-humanos, apesar de manifestarem seu sofrimento  de forma muito semelhante à nossa, não podem se organizar para defender seus interesses. E um terceiro fator, particularmente grave, é que outro grupo de animais passíveis de interesses - nós, humanos - somos beneficiários diretos da opressão dos demais, tal como os senhores de escravos do passado (os quais racionalizavam basicamente os mesmos argumentos dos especistas de hoje, como superioridade, utilidade, necessidade, tradição) se beneficiavam da desconsideração de interesses de outros seres arbitrariamente considerados como “diferentes”.  E, sabidamente, somos bastante relutantes em questionar situações que nos beneficiam.





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